O que a leucemia me ensinou D1617
Só se vive uma vez! Acredito que todos já tenham escutado isso em algum momento da vida de vocês. Durante essa única “vez” por quantas vezes você realmente se sentiu vivo? Em 14 de abril de 2014 o câncer estava batendo na minha porta mais uma vez e “quem bate esquece, mas quem apanha lembra”.
Acreditava que os sonhos eram os maiores motivadores para vivermos e sermos felizes. Só que com os ensinamentos da vida, entendi que os sonhos podem nos motivar sim, mas também podem nos iludir. Fazer um tropeço numa pedra no caminho parecer uma queda de um penhasco.
Há quase 5 anos atrás estava em remissão (sem câncer) da primeira leucemia. Com meus sonhos de viajar para a Europa e de voltar a embarcar tão perto que quase podia tocá-los. E veio a recaída, com ela um desabafo durante um dia chuvoso.
“Só de saber que está acontecendo de novo dá uma desanimada forte, tira as esperanças. O primeiro momento da notícia tira nosso chão. Saber que vou ter que enfrentar tudo de novo não é fácil. Tento ser forte na medida do possível, mas agora me pergunto para que sonhar? A primeira coisa que mais me assusta é justamente viver sem poder me planejar e ter que ser forte, como se fosse algo normal. É difícil imaginar que serão 5 anos dessa agonia, trazendo preocupações para quem está a nossa volta pois sei que abala a todos. Me sinto impotente por estar passando essa preocupação toda para todos. Fico sem saber o que fazer.
Me senti desestimulado de fazer novos planos. Mudar essa perspectiva de olhar a vida não é fácil, viver sem pensar no amanhã não é fácil. Abrir mão de viver sem planos é mais difícil do que as dores que senti no último tratamento. Não nasci para ser otimista.
Não tem como fugir… Estou preparado para encarar o pior. Matar um leão por dia… Não abro mão de viver e quero viver para fazer os outros felizes, pois ser a tristeza de alguns já é fardo pesado demais para carregar (talvez pior que o tratamento).
Mas estou decido a não abrir mão dos meus planos! Vou continuar planejando! Vou apenas adiar… Não vou perder minhas forças, não vou me abater e não posso me abater!” (18/04/2014)
E de lá para cá muitos dias passaram, muitos anos. E parei de adiar. Dia 6 de julho fui para a Holanda sozinho, mas levei diversos heróis nos meus pensamentos. Sei que nunca saberei ser grato o suficiente por cada nova oportunidade que vocês (doadores e todos os envolvidos) me deram. Só sei que quando a ficha cai que mais uma oportunidade de vivenciar algo que só pude experimentar por causa de vocês, paro e respiro fundo. Porque sei que vem aquele arrepio da alma e se eu vacilar uma lágrima cai. Pelo menos cardíaco eu não sou.
O que eu tinha deixado para trás agora era minha realidade, estava em um congresso na Holanda com 2 amigos de doutorado e suas esposas representando nossa pesquisa, nossa natureza (bem biólogo). Os arrepios eram constantes… O dia da apresentação chegou, auditório cheio. Me sentia um calouro na faculdade, passando por uma sabatina com tantos olhando. Óbvio que isso me deixou nervoso, mas eu estava excitado (no bom sentido). Porque passei o dia com a sensação de arrepio que nos faz ter a certeza de que estamos vivos.
Aquele filme da história da nossa vida passando na cabeça. Os dias internados, os medos enfrentados, os sorrisos forçados. Realmente eram passado e eu estava apenas vivendo o hoje. Só acreditei que apresentei bem porque Jesus disse que fui bem. Jesus é o nome do Chefe do meu amigo que estava lá.
Me despedi do congresso e dos meus amigos de curso e já que estava na Holanda, por que não uns dias em Amsterdam? Conheci um cara super gente boa no congresso que ficaria uns dias lá. E já colamos como melhores amigos. A cada museu, a cada obra de arte era seguida dos arrepios e a sensação de estar vivo, fazendo o que uma vez achei que nunca mais teria a chance de fazer. E Holanda passou num piscar de olhos, como a vida…
Confesso que viajei meio sem planos. Foi tudo muito rápido sem muito planejamento. Talvez tenha feito isso de proposito devido a experiência acumulada de guardar sonhos. Como já tinha pago a passagem para o congresso escolhi mais alguns países.
E como escolhi esses países? Boa perguntar… Na Irlanda, tenho uma prima e uma amiga que não nos falávamos praticamente desde um pouco antes da primeira leucemia. Então lá foi o próximo destino. Com uma osteonecrose na cabeça do fêmur até que aguentei bem. Com minha prima uma trilha de 6km, confesso que cheguei no trem exausto. O caminho foi longo, assim como as conversas.
Depois descansar com outra de 3km com minha amiga de faculdade com tantas conversas longas quanto o percurso. E de vez em quando eu parava, respirava e arrepiava. Aquela sensação de estar lá, caminhando com elas e com aquelas paisagens me faziam arrepiar e lembrar que estava mais vivo que nunca. Só tinha que ter cuidado com os olhos.
Da Irlanda, direto para Portugal. Lá fui recebido por um grande amigo de faculdade também. Nossas histórias de faculdade não posso contar por aqui… mas fui recepcionado com um drink de gin, após um ano sem beber. E quem recusaria uma recepção dessas? E mais arrepios.
Mais uma vez sem planos meus, deixei a maré me levar. E fui cumprir uns planos alheios. Sou católico, mas não tão praticante, não significa que não tenho fé. E por toda devoção de muitos senti que precisava ir ao santuário de Fátima. Rafa ficou trabalhando e lá fui eu…
O clima é sensacional, arrepios durante a viagem inteira e ao ver o templo de longe é impossível não se arrepiar. A cada passo era um arrepio. E não tinha como ir até lá e não agradecer por tantas interseções quando a coisa apertava. Agradecer é sempre bom, parar, respirar fundo e sentir arrepiar. Mas dessa vez não teve jeito, lágrimas rolaram…
De Portugal para Londres… já conhecia Londres, muito bem até. Só não conhecia o Gregory. Quando morei há 10 anos atrás fiz um amigo lá para a vida. Esse amigo teve um filho que eu precisava conhecer. E graças a vocês cheguei lá, antes tarde do que nunca. Iuri me recebeu e pude conhecer seu filho.
Foram 6 meses morando juntos. 6 intensos meses de Playstation, tíbia, trabalho duro e coisas que não podem ser contatas por aqui. Nesses 10 anos nos falamos pouco, mas parecia que tinha sido semana passada que eu tinha ido embora. “Intimidade é um caminho sem volta”.
Quando morei lá sempre disse que iria no museu de história natural e nunca fui. Então os dois objetivos foram concluídos, o resto fui lucro, várias respiradas profundas e arrepios. Engraçado que ele tem as músicas que mais me arrepiam. A época que morei lá com certeza foi uma das melhores fases da minha vida, que mais vivi por inteiro.
As cidades não foram as escolhidas, mas sim as amizades. Mesmo com um oceano entre a gente, em hemisférios diferentes, com anos distantes. Algumas amizades nos fazem sentir mais vivos que qualquer viagem.
Meu sonho de voltar um dia, foi realizado. Ainda prefiro dizer que meu plano foi concretizado. A leucemia me ensinou muito. Ela me fez tirar leite de pedra durante as internações buscando felicidade aonde não parecia existir. E isso com certeza eu trouxe para a vida. “Viver a vida, pois só temos uma”.
Não sou perfeito e longe de querer ser, mas todo dia continuo tirando lágrimas de felicidade mesmo onde só pareçam existir pedras graças a chance que muitos de vocês me deram e obrigado por isso.
Como eu disse, fui sozinho, mas nunca estive sozinho.
Nossa…que texto. Eu fico lendo e as cenas vêm a minha cabeça. Fico imaginando desde a tua expressão de nervosismo no congresso em Holanda até o rostinho do filho do Iuri.
Obrigada por partilhar tantos ensinamentos.
obrigado dani!!!!
Que lindo Dan!!! Chorei, me emocionei e lembrei que cada detalhe, viajei pelos acontecimentos e cada dia vejo como você é grande, grande de alma, de amor, de alegria, e de amizades! Obrigada por ser meu amigo, mesmo não sempre presente, mas presente no meu coração. Você é incrível! Nunca se esqueça disso.
obrigado monique!!!!