D888 vaso ruim não quebra

2 de agosto de 2017 0 Por Daniel Campbell

Escrevendo novamente para explicar melhor o que está acontecendo. Domingo pela manhã internei com falta de ar. Bem mais tranquila que a última, contudo por ter na minha ficha do hospital a palavra “transplante” o cuidado é triplicado então acabei parando no CTI. Agora já estou no quarto e está tudo bem. Sem febre, PCR baixando (exame que “quantifica” os processos inflamatórios do corpo), a pele parece que está melhorando. Está feia ainda de assustar, mas está melhorando. Acredito que em breve terei alta…

Na sexta-feira visitando um amigo de internação, que também teve um doador 50%, conversamos por horas sobre nossos esquemas. Hoje em dia acho que é a pessoa que mais me entende e que eu consigo ter uma conversa bem aberta em relação a tudo que está ocorrendo. Estamos passando por situações bem semelhantes.

Quem acompanha desde o início sabe a luta que foi para achar um doador compatível. A busca da medula perfeita. Desde o diagnóstico até achar o doador foi quase um ano. Acho que até hoje tenho amigos que ainda não entenderam a importância de virar um doador, mas enfim…

A gente vive sempre atrás da perfeição em tudo na vida… alguns querem um nariz perfeito, outras querem belos cabelos e nós apenas uma medula que funcione. Foi então que achei minha cara metade em algum lugar do Brasil. 100% compatível, uma alma gêmea perdida por ai. Mas como vocês já sabem a história… não deu certo. Acho que os maiores aprendizados que eu e esse amigo tivemos nesse processo todo foi de entender que a beleza da vida vem da imperfeição, da aceitação do que vier da maneira que vier, do desapego as coisas do mundo.

Fomos forçados a nos afastar e abrir mão de diversas coisas durante o tratamento, deixar de lado algumas preocupações (que hoje sabemos que foram desnecessárias no passado) e passamos a focar no presente, aonde realmente precisávamos de energia para ter forças. Desapegar dos planos a longo prazo com certeza colocou meus pés no chão. Nunca deixei de sonhar, mas apenas aprendi que sonhar e me iludir são coisas diferentes. Nunca nos preocupamos em tropeçar, já aceitamos que a cada mês que passa algo estranho pode acontecer (pode parecer um pensamento pessimista). Só que agora estamos preparados para os tropeços inevitáveis da vida. E quando acontece o sorriso no rosto sempre está presente. Pois estamos prontos… Deixamos nossas pretensões de lado e investimos nosso esforço no momento atual. Seja se recuperando no hospital como estamos agora ou relaxando em casa tomando um café. Acho que encontramos um equilíbrio… aceitamos o nosso passado e esperamos sem pensar no futuro. Nossa realidade não nos permite premeditar mais o futuro e essa lição nós já aprendemos.

Essa aceitação não foi fácil no início. Era uma confusão de pensamentos. E como adoro frases prontas… “não chorar pelo leite derramado” foi feita sob medida para quem passa por coisas assim. Não podemos chorar nem mudar o que aconteceu. Aprendemos a aceitar o leite que foi derramado. Mas também sabemos aceitar e talvez hoje em dia com muito mais valor os bons momentos da vida.

Talvez a chave da aceitação tenha sido vivenciar tanta compaixão envolvida. O amor envolvido e as orações (preces, pensamentos positivos, etc) sem esperar nada em troca. Isso talvez tenha removido algumas montanhas no nosso caminho. E tenho certeza que foi uma mão amiga nos vários tropeços que a vida nos causou.

Esses dias li uma história muito interessante. A arte japonesa do reparo com ouro. Para quem não conhece vou tentar resumir porque já estou em 617 palavras (618). É uma técnica milenar de reparar peças de cerâmica quebradas ou com rachaduras usando uma resina e pó de ouro. O tal cara lá consertava objetos quebrados em obra de arte. Deixando as peças consertadas mais valiosas do que as que nunca quebraram. As peças podiam ter como destino final o lixo, mas após serem reparadas renasciam com mais beleza. Ta, e daí? Aonde quero chegar?

Como vou reclamar da minha pele, das cicatrizes pelo corpo? Agora tenho mais certeza do que significa ser único. Não me incomodo com as minhas imperfeições, pois são elas que me tornam único. Cheio de remendos da rejeição de pele sim… mas com a alma dourada de quem aprendeu a agradecer por cada momento bom ou ruim da vida. Problemas? Não tenho mais nenhum, a partir de hoje só tenho desafios… afinal, vaso ruim não quebra…

Daniel, o rejeitado

sem revisão…