D851 tá ruim mas tá bom

26 de junho de 2017 0 Por Daniel Campbell

Caros,

Sei que estou em falta. Talvez por falta de inspiração, ou falta de tempo. Estou lutando a cada dia para não cair nessa rotina do dia a dia aonde não temos tempo para nós mesmos. Só que minha rotina essa semana que passou foi muito intensa com muitas viagens e médicos e exames e aula e churrasco e por ai vai…

Como todos já se assustaram um pouco com a minha pele aqui vai uma explicação do que está acontecendo mais detalhada do que a que coloquei no instagram. Quando recebi a medula do meu pai (50% compatível) já sabíamos da possibilidade da rejeição aparecer. A rejeição pode ocorrer em qualquer tipo de transplante. Seja rins, coração, fígado e até o da medula. O que diferencia o da medula dos outros é que na medula acontece a produção das células do sangue. Inclusive as células que defendem nosso organismo (leucócitos).

E como eu disse nosso organismo! O resto que não é do nosso organismo ela combate como um invasor tipo vírus da gripe. Contudo, vale lembrar que a medula não é “minha”. Então para a medula que eu recebi, eu sou o corpo estranho (espero que eu esteja sendo claro). Já que eu sou o corpo estranho da minha nova medula ela me combate como um invasor. Existe tratamento? Sim! Estou preocupado? Não, pois existe tratamento. A rejeição da medula (GVHD) da mesma maneira que combate meu corpo, combate qualquer possibilidade do câncer voltar. A medula “reconhece” a célula com defeito (câncer) e simplesmente combate.

Na consulta os olhos do meu hemato brilhavam como adolescente apaixonado ao ver minha pele. Pois ao me ver assim ele sabe que o câncer não volta. Então por que tratar? Porque coça? Não! (porque coça também) mas na intensidade que ela está chegou a hora de controlar. Pois pode se estender para outros órgãos como fígado e pulmão por exemplo.

Os tratamentos: Podem ser diversos, mas devido ao meu problema na perna estão evitando o corticoide. Para não baixar a minha imunidade evitaram os imunossupressores. Então comecei a fazer um tal de pulva, que seria receber radiação ultra violeta para controlar esse processo. Serve como um processo anti-inflamatório. Caso não melhore ainda temos as duas opções anteriores para usar.

Assim que descobri que esse tratamento me colocaria no Rio novamente fiquei meio pensativo em como seria a nova rotina. Já são quatro anos praticamente de intensas mudanças, dia 9 fazemos aniversário do diagnóstico. Aprendi a aceitar as mudanças de forma mais simplificada ao invés de torna-las problemas. A gente acaba aprendendo que “nada é permanente exceto a mudança”. Já mudei em todos os sentidos… de cidade, de estado, de cor, de cabelo, de humor…

E nessas mudanças todas da vida preferi esquecer o que antes era problema. A muleta já deixou de ser um, continuo pegando fila preferencial mesmo sem a máscara. O fêmur ficou para trás, ainda está muito ruim mas fazer o que, né? “ta ruim mas está bom”. A pele também já já melhora e ficarão as cicatrizes.

Aprendi a admirar minhas cicatrizes. Escutei certo dia que as cicatrizes carregam nossas histórias de lutas. Foram de momentos no passado que fortalecem nosso presente, que nos fazem ver com bons olhos o que antes seriam problemas. Passei a dar muito valor a coragem e força das meninas mastectomizadas e suas cicatrizes. Por isso trazemos sempre um sorriso no rosto. Por isso sorrimos para as mudanças da vida. “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

Mas coça….

(sem revisão)