D801 vida de pedreiro
Finalmente chegou a primeira viagem para SP sem tomar quimioterapia. O corticoide devido aquele problema no pulmão foi suspenso na última quinta-feira. Contudo, ele demora para sair do organismo e ainda sinto algumas fisgadas que acredito estarem relacionadas a ele.
Chegamos em SP e fiz exame de sangue. As plaquetas estão se estabilizando ainda por conta da última quimio. Normal acontecer essa variação e já estamos acostumados com isso. Agora a novidade será como a medula irá se comportar com mais de um mês sem quimio.
Passamos pelo Dr. Ricardo para a consulta de rotina e está tudo em ordem. Ele retirou o protetor gástrico. Agora só estou com dois remédios para prevenir infecção. Em relação ao GVHD (rejeição da medula) está tudo ótimo também. Aparentemente controlado. Também tomei vacina de catapora e de gripe (já podem espirrar em mim).
Durante um dos dias da viagem acabou a luz no prédio e precisei subir de escada os 5 andares. Cheguei no quarto e já tomei um remédio para dor pois sabia que logo mais ela chegaria. Dormi e ontem sai para comer e a dor veio dar um oi. Pedi arrego e fui para casa tomar o remédio de dor. Hoje ela continua por aqui mas um pouco mais intensa do que o de costume.
É estranho quando me perguntam como estou. Pois sei que não estou “bem”, mas costumo responder que estou. Se tornou um hábito. Sei que perguntam sobre o câncer na maioria das vezes e realmente em relação a isso estou bem. Só que esses danos colaterais do tratamento sempre estão dando um “oi”. Seja o GVHD, a osteonecrose, a imunidade baixa…
Um dia ouvi dizer que quando um homem tem fome ele só tem um problema. Quando damos o que comer a este homem ele passa a ter vários problemas. Certo dia tive fome e lutei para viver, devorei todas as pedras do caminho. E hoje essa fome passou. A luta para viver acabou. Os outros problemas sempre estiveram ali, mas como havia um problema maior (e real) eu não enxergava os outros como um problema. Talvez tenha sido a melhor coisa que fiz.
Hoje quando me perguntam como eu estou e digo que “está ruim mas está bom” é porque meus problemas sempre irão existir… Seja os efeitos do pós tratamento, ou seja qualquer outra coisa talvez com menos relevância.
Os problemas sempre irão existir na vida, isso já aprendi. Mas a importância que daremos a eles que é o “x” da questão. Já falei uma vez sobre o “morrer amanhã” e esses problemas que tenho são tão importantes assim que irão transformar meu “final de vida” caso eu morra amanhã? (só uma suposição, não estou falando que vou morrer em breve). Uma dorzinha no fêmur que me faz mancar não é tão grande assim e não podemos deixar ela ser grande a ponto de se tornar um problema real.
A fome passou… os imprevistos surgiram, mas não estou disposto a fazer deles um problema. Estou preferindo ter disposição para as soluções da vida. “Não adianta chorar pelo leite derramado”.
Já virei pedreiro nessa vida cheia de pedras espalhadas por aí. Está na hora de juntar e construir meu tríplex. Afinal, “melhor ter pedra no caminho que no rim…”
Não olhem a música como melancólica, mas como alguém que viveu todo o dia como se fosse o último <3