D778 cativar

D778 cativar

15 de abril de 2017 0 Por Daniel Campbell

Chegamos ao final do tratamento na semana passada. Hoje fazem três anos que recebi a notícia da minha primeira recaída (14/04/2014). Desde os primeiros resultados lá do início do tratamento minha médica havia avisado que a leucemia era muito agressiva e tratar somente com a quimioterapia talvez não fosse o suficiente, pois poderia haver recaídas sem o transplante (TMO).

Tratar só com a quimio não foi suficiente para me curar, mas foi suficiente para ganhar motivação para não fraquejar. O primeiro tratamento acabou em dezembro de 2013 somente com quimioterapia. Lembro da minha médica dizendo que precisaria fazer muita academia para fortalecer os músculos pois foram 6 meses de tratamento e um saldo negativo de quase 20kg na balança. Chegando na praia fiquei pensando naquele um mês de academia. Mentalizei tanto ele que mentalmente a academia aconteceu. Peguei a prancha e fui para o mar com um amigo de infância. Surfei até doer tudo. E no outro dia para passar a dor muscular surfei mais. Aprendi o significado de “ir com muita sede ao pote”. E dali em diante a sede de viver era imensa. De realizar os sonhos que eu ainda precisava realizar. Foi um verão incrível com direito a muitos encontros com amigos. Blocos de carnaval não faltaram, até multa pela euforia levamos. Conheci muitas pessoas novas que passaram a fazer parte da minha vida hoje em dia.

Numa conversa de bar conheci uma amiga (de amigo da vizinha da cunhada do papagaio) que ficou sabendo da minha luta, que eu nem esperava estar apenas no começo. Ela era psicóloga e durante a conversa de bar me senti num divã. Não estava incomodado com a conversa e ela perguntava as coisas e eu ia conversando como se já fossemos íntimos. Consegui me abrir e contar aqueles conflitos mentais que surgiam. Foi nesse momento que ela me sugeriu escrever (gravar) como forma de colocar para fora, pois eu era (sou) muito fechado.

Logo em seguida veio a primeira recaída. Lembro como se fosse agora (é sério). Estava quase pronto a retomar minha vida normal de vez. Iria viajar por muitos dias e fui ao hospital fazer um exame de rotina. A médica me disse que havia algo errado com meu exame, mas poderia ser erro da máquina ao contar algumas células. Sempre fui realista apesar de sempre manter a esperança de que ficaria bem (era a realidade que eu queria). E poxa, a máquina não errou por 6 meses de tratamento mais 4 em remissão. Por que iria errar?

A médica pediu uma punção da medula para confirmar. E lá estava a notícia da recaída (dois anos atrás, direto do túnel do tempo). Aquela falta de ar e o chão dando adeus. Aquele plano de viajar para fazer um curso, aquele plano de continuar surfando, a sensação de fim novamente. Meus planos e minha vida boa já haviam ido embora uma vez. E mais uma vez a leucemia estava ali roubando meus sonhos, meus planos.

Depois do ambulatório havia marcado de encontrar com uma amiga. Mas como sair depois daquilo? Com o mundo caindo e os planos escorrendo pelo ralo (mais uma vez…). Passei a tarde pensando nas coisas e bati o pé no chão. Resolvi que a doença não iria me impedir de encontrar minha amiga no aniversário dela. Comemorar o aniversário dela me tirou de casa.

Peguei o carro e fui sozinho até lá. Passei aquele engarrafamento todo e não resisti. Sabe aquele momento sozinho no carro que você está meio depressivo e toca aquela música que abala as estruturas? Comecei a chorar sozinho no meio do trânsito. E foi aí que lembrei daquela psicóloga que me incentivou a colocar para fora. Comecei a escrever tudo que eu estava sentindo. O aniversário foi ótimo! Rimos, comemos e não me lembro de ter chorado ou pensado em algo ruim lá. Ao chegar em casa entrei no facebook, peguei o texto que havia escrito e resolvi dar a notícia da recaída. Falei sobre essa perda de sonhos, que estava desanimado por novamente a leucemia empatar minha vida.

Após esse texto (confesso que foi baixo astral), muitos vieram me motivar e dar palavras de apoio e carinho. E essas palavras tiveram um poder absurdo. Acho que foi nesse dia que comecei a dividir meus pensamentos mais íntimos que nunca coloquei para fora com ninguém. E ganhar vários “psicólogos” (leitores, apoiadores) me fez um bem enorme. “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. E esse carinho todo vindo de vocês me cativou. Me fez ser mais forte para lutar e sorrir mesmo com a recaída.

Começar a expor meus sentimentos foi um momento muito importante para mim. Não por estar expondo para vocês. Mas porque comecei a expor eles para mim. E aquela fortaleza de gelo começou a entender mais o que se passava lá dentro que nem mesmo eu alcançava as vezes. Acho que fiquei mais confiante em mim, passei a me conhecer melhor. E essa confiança toda começou a me mostrar que havia um caminho naquele túnel escuro com uma luz brilhando no fim. Às vezes eu ficava receoso se realmente havia um caminho. Com o passar do tempo esse receio foi ficando para trás. Passei a ter plena confiança de que a leucemia era passageira. Como um amigo diz “morro de qualquer coisa, até atropelado… mas para a doença não”. E o pensamento passou a ser conduzido com essa confiança.

Me sentia tão perdido que não conseguia me orientar para não pensar besteiras e até em testamento (meu vídeo game e prancha iam para o meu irmão, não tenho muitos bens). Só que ao colocar para fora esses sentimentos presos e receber a resposta de vocês em troca foi como se a cada gesto uma vela radiante surgisse dentro daquele imenso túnel para me guiar até aquela luz no final dele. A escuridão, o medo e a dúvida do que iria acontecer dali em diante passaram a diminuir.

Passei a entender onde eu precisava focar e para onde eu iria. A vida mesmo naquela cama passou a ser mais intensa, apesar de demorar a passar. Ou talvez justamente por demorar a passar e estar tão focado em ficar bem que ela se tornou intensa (confuso? também achei). Cada momento ali dentro passou a se tornar único. Não existia uma rotina, talvez isso também explique a intensidade. A única coisa que era rotina era a nutrição (brincadeira hehe). Talvez por essa intensidade toda nessa vida pacata de paciente tenha cativado alguns de vocês. Me senti cativado em ser forte o bastante para trazer apenas felicidade aos que me cercavam. Foi gratificante demais poder dividir o Sol no fim do túnel com vocês.