D669 “Que tudo se realize no ano que vai nascer”

D669 “Que tudo se realize no ano que vai nascer”

26 de dezembro de 2016 1 Por Daniel Campbell

D669

(plus de dois vídeos, não é todo dia! Mas só vale para quem ler até o final)

Mais um natal passou e agora ficamos naquela expectativa para a chegada do ano novo. Uns tempos atrás passei essa data, tão aguardada e simbólica para muitos, internado, cansado de muita coisa, principalmente com a comida do hospital. Contudo não faltavam forças para saber que aquilo tudo terminaria. Não naquela data simbólica, mas em algum momento iria acabar. Acho que por perder tantas datas assim (mesmo antes da doença) criei um sentimento de desapego por elas. Não que eu não considere importante a data da virada do ano em si. Mas o que ela representa sobre recomeços e esperanças aprendi a entender que a cada dia é igualmente importante. Todos os dias passaram a ser igualmente valorizados. Então continuo contando os dias para lembrar que estamos passando por mais um novo dia.

Talvez o ano novo realmente tenha seu glamour pois não é toda noite que estouramos espumantes nem fazemos contagem regressiva e muito menos vamos a praia a noite para pular ondas (essa opção fica restrita aos cariocas). Aquele dia tão aguardado aonde fazemos mil promessas para o ano novo. Começamos sempre pela de emagrecer e acabamos desejando a megasena da virada. Comemos lentilha, o padrão virou branco e os desesperados de vermelho e amarelo.

Já passei por ano novo embarcado, internado, na praia, surfando pelado, numa passagem subterrânea (essa só meu irmão e uns piratas sabem), mas no fundo são sempre as mesmas expectativas. De um ano melhor. Só que desde essa história toda que começou há pouco mais de um ano, o desejo de ter um dia melhor passou a ser tão esperado quando o que normalmente é criado no ano novo. E é óbvio que os desejos mudaram um pouco.

Lembro bem do ano novo internado com aquelas tacinhas de plástico do hospital. Sem direito a álcool mas com as drogas mais pesadas entrando na veia. Meus desejos daquele dia ainda estão guardados. Alguns realizados…

O primeiro é que ainda estou por aqui… to no lucro já! O segundo era o casamento do meu irmão que também chegamos lá. Na época indiano e careca mas também estava valendo. A cor se foi, voltei a ser cara pálida. Os cabelos voltaram junto com os da barba e sovaco. Alguns poderiam ter parado de nascer, principalmente os da……. orelha. Quase tudo voltou ao normal, quase todos os desejos realizados. Só os quilos (10kg) que eu não precisava ter voltado ao normal.

E depois dessa longa caminhada já tenho meus desejos para esse ano. Não sei se conto para se realizarem… Mas esse ano novo promete! Certezas de que meus amigos irão se curar assim como me curei. Que eu possa acordar sem sentir dor nesse fêmur para eu finalmente jogar um futebol.

E realmente esse ano promete. Como não ficar empolgado com as coisas simples da vida que me foram restringidas há uns anos atrás. (Uma pequena retrospectiva da minha vida em 3 linhas). Como quase todos sabem fui criado na praia, fiz meu primeiro mergulho aos 13 com minha querida Olga. Aos 16 matava aula quando o mar estava perfeito para surfar no Arpoador e aos 20 e poucos me formei biólogo depois de estagiar dois anos em Arraial do Cabo. Trabalhei embarcado por 2 anos e veio a doença e aqui estou curado (4* linhas). E é no início desse novo ano que voltarei ao mar (não sou oferenda). Mas meu lar sempre foi salgado. Escutava muito quando era criança… “não senta no sofá cheio de areia”… não mudará muita coisa quando eu voltar da praia. É um caso de amor definitivamente. Fico vendo aqueles vídeos de soldado voltando para a guerra e seu cachorro de estimação fica desesperado e fico me imaginando abanando o rabo e babando de felicidade ao retornar para o meu lar. “Não há lugar como nosso lar”. Além do mar será o fim do tratamento. O adeus das Quimios tão esperado.

Fui guiado por muitos de vocês nessa trajetória. Uma retrospectiva e tanto que daria. Não apenas sobre a parte triste da doença. Mas por tudo de bom que ela trouxe. Minha vida se tornou um pouco mais especial talvez por isso. Aprendi a enxergar o quanto tive uma vida feliz e nunca havia percebido.

As vezes relutei em achar que daria tudo certo. Que poderia um dia voltar a gozar dos prazeres da vida, pois estamos acostumados a receber (ou esperar) por sinais das coisas ao nosso redor ao invés de simplesmente confiarmos no que estar por vir. E ter muitos de vocês como guia me fez ter forças para seguir em frente dando esperança para meus sonhos como o de retornar ao mar. Sempre confiei que poderia chegar aqui. E aqui chegamos. As vezes não entendia o sentido disso tudo. Hesitei, confesso. Mas já posso dizer que cheguei aonde eu queria chegar. Não estou satisfeito pois sou ser humano, mas estar aqui já é exatamente aonde pretendia chegar.

Obrigado por serem a luz que me orientarou nesse túnel escuro. E meus desejos de ano novo além de jogar bola e entrar no mar é para que todos possam, apenas, ser felizes. Não é pedir demais. Que todos tenham guias como eu tive vocês abençoando meus dias durante todos esses dias. Que nesse novo ano vocês possam iluminar a vida de muitos como iluminaram a minha por esses anos!

Um Feliz ano novo! Com mais sonhos realizados! E sem muletas:

 

www.ameo.org.br

www.msf.org.br

www.abrale.org.br

 

Escrito ao som de:

“A young fighter screaming
With no time for doubt
With the pain and anger can’t see a way out
It ain’t much I’m asking, I heard him say
Gotta find me a future move out of my way”