D609 amadurecendo

Caros,

Após a notícia do fêmur ter ficado bem prejudicado de vez por conta de corticoides, alguns me perguntaram o que fazer agora. A recomendação é fortalecer os músculos com atividades físicas como pedalar (Sim! Pedalar! Recomendação médica) entre outras. Prometi que colocaria até rodinhas para não cair. O ideal para mim seria algo na piscina (ou no mar hehe), contudo o Dr. Ricardo não deixa devido à minha baixa imunidade e risco de contaminação. Então fui para as alternativas que estão ao alcance. Hoje fiz minha primeira sessão de fisioterapia e aula de pilates. Bem interessante o pilates por sinal, só é difícil lembrar de contrair a barriga o tempo todo.

Algum milagre divino deve estar operando por aqui, pois eu não estava andando sem muletas. Era uma dor que eu não conseguia manter meu peso sobre a perna esquerda. Para colocar a cueca eu não conseguia fazer em pé, tinha que sentar na cama (tipo meu bisavô porque meu avô coloca plantando bananeira). Estava igual a um ancião de bengala, manco, quase corcunda pois não conseguia colocar o peso na perna. Só faltou a cor de indiano para virar um guru de novo. Mas enfim, o milagre… estou há quase 48 horas sem sentir essas dores. Ainda não ando tão ereto, acho que acostumei a ficar na diagonal. E não vou falar que o milagre foi remédio para dor pois só tomo tylenol raramente.

Tão bom quando alguma coisa dá certo!

Durante todo o tratamento foquei muito em mim. Na minha luta e o caminho que eu teria para percorrer até aqui. Talvez para alguns eu tenha me fechado demais. Só que como falei no post anterior (por sinal me falaram que estava confuso, desculpem, dou asas à imaginação), ao mesmo tempo que me fechei tive a oportunidade de viver uma realidade nova. Conhecer pessoas novas. Aprendi a pedir por elas. Já há algum tempo venho dizendo que todos somos únicos, com qualidades únicas. E fui aprendendo a pedir por alguns que eu conheci. Tornei aqueles à minha volta um tanto quanto preciosos por tudo o que estávamos passando ali.

Nunca vou esquecer o início do meu ambulatório no P2. Entrava para meu box e durante o fds que eu hidratava todo dia escutava sempre uma pequena criança chorando. Parecia uma garotinha indefesa. Depois descobri que era o Luquinhas, um garotinho muito figura com o cabelo do Neymar. E mesmo sem conhecer direito aquilo me partia o coração. O grito de “não me fura” até hoje está guardado. Era de partir o coração. E naqueles dias me pegava pedindo por ele. Pode parecer besteira falar isso, mas pedi para ter de novo para aquela criança não sofrer mais.

Sempre amei meus familiares e amigos próximos, acredito que 99% da população também seja assim. Mas é estranho quando um estranho nos cativa de tal maneira a sair da nossa zona de conforto. Alguém que não tem um significado particular. Depois do Luquinhas veio o Marcos, depois o Rodrigo, a Renata e por aí a fora. Aprendi o verdadeiro sentido de compaixão. O “amar o próximo” como toda religião prega. É uma semente que está plantada em todos nós, só falta o que cative para ela crescer e amadurecer.

Algo que eu não gostava que sentissem por mim era pena. Compaixão não é ter pena. Aprendi a admirar eles por aquilo que estavam vivendo. Seja o Luquinhas feliz por ter colocado seu cateter e não precisar mais ser furado (arrancou na primeira noite), seja o Rodrigo por sempre estar disposto no corredor, ou Marquinhos pelas nossas conversas…

Um dia internado alguém me falou: -“você não pode reclamar! Tem seus pais do seu lado, plano de saúde, etc e tal. Existem muitas pessoas em situações piores que a sua”. A sensação na hora é de que eu era um mal agradecido que não podia reclamar. Lembro que na hora (uma das poucas vezes que explodi) falei que se fosse por isso ninguém poderia reclamar de nada porque milhares de pessoas de morrem fome na África. Foi um momento de fúria que hoje em dia analisando não foi um absurdo apesar de eu ter sido grosso e socado algumas paredes (também sou humano).

Naquele dia sim eu fui um egoísta, apesar de falar verdades de certa forma. Mas estamos aqui, para reconhecer erros cometidos. Não me arrependo, pois foi um momento de raiva que coloquei para fora. Palavras ditas são como pedras atiradas, não voltam atrás. Hoje em dia, depois de passar e conhecer tantas pessoas parei para pensar quantos Luquinhas e Rodrigos não existem na África ou na China ou no Acre. Todos possuem mães, amigos que consideram eles únicos como eu considero os meus. Realmente talvez eles sejam menos afortunados, mas sofrem igual ou provavelmente pior. Sem um tratamento adequado, sem recurso algum.

Hoje resolvi mudar o mundo. Já dizia Gabriel (O Pensador), que “quando a gente muda o mundo muda com a gente”. Não estou pedindo para ninguém virar São Francisco de Assis e pregar voto de pobreza pelas crianças na África. Mas por que não começar com pequenos gestos? Por que não rezar, orar, meditar, pensar, seja lá como chame por alguém que esteja precisando? Pratique sua compaixão, ame um desconhecido simplesmente por aprecia-lo. Hoje abri mão de algumas coisas na minha vida. Muito pequenas eu sei, mas no momento é o que eu posso para ajudar o próximo “distante”. Hoje sou mais rico por ter muitos de vocês à minha volta. É simples praticar, se apenas pensarmos no próximo já é um começo. Dei meu primeiro passo para não virar palavras vazias. Ta aí um sentido para a vida…

“Sempre que me relacionar com outros, que eu me considere como o mais inferior de todos; E, com uma pura intenção, que eu aprecie os outros como supremos.”

Esse post foi inspirado em quem coloca bandeira de países…

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