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Amigos,
Aproximadamente duas semanas já se passaram desde que operei os fêmures, eu acho. A primeira semana foi mais delicada com dores devido ao corte para o furo do osso e o próprio osso que está bem necrosado. Fiquei a base de remédios para dor. A segunda foi mais tranquila e descobri que dói mais se eu fizer mais esforço como os dias de viajar para ir ou voltar de SP. É uma sessão de pular de cadeiras e bancos cansativa e parece que movimentar demais me incomoda. As dores musculares devido ao corte já passaram e sobrou algumas dores pontuais no osso.
Fui essa semana para SP resolver umas coisas, ir ao ortopedista e fazer o exame de rotina. O exame de sangue só veio de ruim as plaquetas que estavam em 30000. A consulta com o médico para ver como estava o osso. Aproveitei para tirar os pontos. Ele me deu uma porcentagem de sucesso do problema do osso estar morrendo. Para a direita depois dessa cirurgia ele disse que se me cuidar bem tenho 98% de chances de resolver o problema. Já o esquerdo está bem detonado. Ele deu apenas 40% e disse que já estava numa situação bem delicada. Como não posso evitar o alivio do peso o tempo inteiro, apesar de estar na cadeira, o médico pediu para eu avaliar bem a situação e colocar na balança o que seria melhor. Colocar carga na direita que está boa e acabar prejudicando a grande chance dela recuperar ou usar a esquerda que já esta detonada e pode não recuperar de qualquer forma. É tipo aquela situação que você tem que escolher alguém para salvar e deixar o outro de lado. Sei que ainda vou escutar muito “não pode pisar” igual era o “não pode coçar”. Mas tirar toda a carga? Acho que só na lua. O médico pediu também para eu emagrecer 10 kilos para me levantarem mais fácil. Só que está difícil emagrecer deitado na cama o dia inteiro. A sorte que meu apetite esta reduzido.
E por favor, sei que as intenções são as melhores. Mas parem de dizer para qualquer pessoa que tem um problema de verdade que “vai passar rápido” porque não vai. Simplesmente não vai. E quem está doente sabe que não passa rápido. Então não tentem iludir a gente como se tivéssemos 5 anos. A gente já sabe que não existe coelhinho da páscoa. Esta sendo um trabalho de paciência.
Estar na cadeira de roda é muito além de não poder andar. É a privação de várias coisas tão banais mas tão essenciais que a gente esquece. Estou essas duas semanas sem mijar na privada. Ou se preferir fazendo xixi. Esses dias comentei que estava fazendo xixi na cama e me sugeriram uma fralda. Mas é que estou usando o papagaio (aquele negócio que homem usa para fazer xixi no hospital) tem duas semanas que tortura não ter o que mirar.
Não ter a casa adaptada é horrível. Depender dos outros para tomar banho, comer, escovar os dentes, ligar a tv, pegar algo na cozinha, blablabla é complicado. Sempre bate aquela sensação de invalidez. Fizemos uma obra aqui no rio para pelo menos banho eu conseguir tomar e em arraial aumentamos a mangueira do chuveirinho. E ai você para e pensa o perrengue que é para tomar um simples banho.
E ai eu realizo, meu mestrado? como será? o prédio da marinha não tem acesso ao primeiro andar para cadeirantes. Como irei assistir aula? O buraco é muito mais embaixo do que as pessoas que dizem que “passa rápido” pensam.
Nunca paramos para pensar que no aeroporto é tudo adaptado. Mas você é o primeiro a embarcar e o último a desembarcar porque o avião mal para e todo mundo já esta na porta aglomerada para sair. Ter que ser carregado por um caminhão para subir no avião pois não posso sonhar com escadas tem seu lado bom, é muito útil, mas a sensação de ser inválido é complicada. De depender de todos para tudo. E não fale que muita gente vive numa cadeira também. Ninguém que virou cadeirante aceitou na segunda semana, apesar do meu ser passageiro.
Mas não posso só reclamar. O povo realmente é muito solidário. O serviço prestado é restaurantes, taxis, aeroporto, hospital é excelente. Até agora sempre fui bem recebido e quase todos os lugares tem acesso para cadeirantes. As pessoas saem do elevador prioritário para entrar a cadeira. Claro que sempre tem um mal educado que não sai, né? Mas a gente releva. Só que eu reclamo, é direito. Dei uma olhada e descobri que existe uma lei de acessibilidade, então ando como se tivesse um rei na barriga e reclamo quando não tem acesso.
Já estou me adaptando a cadeira. Aprendi uns truques já. Estou agora tentando andar só com as duas rodas grandes, mas é difícil. Degrau pequeno já aprendi a subir. A cadeira é bem pesada, mas como sempre estou com alguém é fácil de colocar no carro e essas coisas.
Essas reclamações foram mais da boca para fora. Só para termos uma ideia de como não é nada simples. E a parte do “passa rápido” é bem séria, não digam por favor. Incomoda.
Passar rápido é diferente de ser passageiro. Sei que estou passando por um momento passageiro, momentâneo. Sentado na cadeira eu não olho para trás. Não preciso olhar para o que passou. Apenas preciso me focar no que está vindo. Esse outono vai acabar e a primavera já está logo ali depois do inverno, e as flores virão.
Reclamei muito sim no início sobre a situação. Cheguei a perder a paciência até com o meu pai. E isso me deixou mal. Mas todo esse trabalho pesado nos mostra muita coisa nova. Mas uma vez estou aprendendo a encarar a vida de outra forma. A sentir mais do que fazer, pois não tem muito o que se fazer. Essas experiências de câncer, osteonecrose servem como uma base sólida me fazem ter certeza de que tem algo guardado ali na frente. E isso que estar por vir é muito consequência do que estamos vivênciando.
Estou aceitando bem a história toda, só tomei rivotril um dia.
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