D404

6 de abril de 2016 2 Por Daniel Campbell

D404 (05/04/2016)

Olá amigos!

Como a maioria já sabe e acompanha voltei para o Rio. Passei uma semana agora em SP para o vidaza. Agora será assim, 5 a 6 dias por mês para matar a saudade das padarias que me deixaram mais saliente. Quanto a saúde está ótima. Dr Ricardo (hemato) cortou os 10mg de corticoide. Agora não poderei usar mais ele de desculpa para meus kilos extras. Dr Gustavo (ortopedista) me liberou para atividades físicas menos corrida e agachamento. Como não quero ficar com glúteo na nuca está favorável.

Entregamos o apto de SP e agora estou ficando na casa da minha tia perto ao hospital que facilita muito minha vida. Essa semana foi a primeira bem diferente depois de tantos meses. A vontade de voltar para a casa era quase que inexistente porque eu sabia que em menos de uma semana já estaria de volta. Sei que ainda não acabou mas o olho do furacão agora já esta formando um arco-íris.

Ninguém ensina como recomeçar a viver. Aprendemos quando criança quase que por osmose. Um processo natural que não percebemos. A única vantagem de agora é que já comecei sabendo falar. Contudo não tenho mais tempo a perder e muito menos irei passar pela infância de novo (apesar de alguns amigos acharem que sou bobo demais para minha idade). Recomeçando a vida já com mil responsabilidades. Escolhas que não permitem arrependimento. A vida que estava por um fim agora parece não ter fim. Mas depois de tudo isso sabemos que tem. E o tempo esta passando.

Passei a ser auto-suficiente, alguns talvez chamem até de egoísmo. Pode parecer mas não é. Continuo com meu coração de mãe (alguns já me escutaram falar isso). Só que tento pensar em como será daqui para frente. E isso me fez olhar um pouco mais para meu umbigo. Isso não me tornou egoísta. No máximo vesgo ao olhar para o umbigo e para os outros.

Sempre tive um norte bem definido antes de tudo. Aquele projeto de vida traçado. Só que a cada dia que passa tudo é norte. Surge essa vontade de aproveitar tudo ao mesmo tempo. Talvez digam que eu esteja indo com muita sede ao pote. E realmente talvez seja verdade. Apenas não me julguem e aprendam a amar a vida que me entederão.

Passei a entender que cada oportunidade é única e essa sede não é pecar por excesso mas medo de me arrepender por ter fechado alguma porta que lá na frente eu não consiga mais abrir. Não digo que eu aja sem pensar. Ao contrário, penso e reflito até demais nas minhas decisões, talvez por isso de tantos nortes. É aquela velha história de que “não adianta chorar pelo leite derramado”.

Atualmente tenho tentado escutar mais a emoção do que a razão. Só que mesmo pensando com emocional vários nortes continuam me deixando na dúvida de como será esse recomeço.  Reflito muito sobre a escolha certa. Em como fazer sem me arrepender. Talvez por isso não negue nada. E faça tudo.

Brinquei muito durante o tratamento dizendo que eu vivia uma vida paralela, uma vida que não era “minha”. E agora estou nesse recomeço. Não posso dizer que comecei do zero e que é difícil por isso. Mas esse recomeço me deu a oportunidade de enxergar a minha vida como um todo. E me fez entender que minha vida paralela de trevas e tempestades foi tão fundamental quanto minha vida de “rock’n’roll” anterior a leucemia (irei censurar os detalhes para evitar processos).

Um parênteses nisso tudo. Estava conversando com um amigo meu que está passando por algo semelhante esses dias sobre esses momentos de profundezas que nós passamos. E é engraçado ver como antigamente nossos problemas eram tão pequenos e reclamávamos tanto da vida. Hoje em dia não existe mais tempestades em copo d’água para a gente. Sei que muitos são fortes sem ter que passar por situações assim e que de certa forma ainda somos muito abençoados de termos o tratamento desse nível e talvez por isso ainda estejamos aqui para ter essas conversas. Amigos reclamam que estão passando por problemas para a gente. E rimos porque passamos por situações semelhantes de pessoas resmungando da vida dizendo que estavam deprimidas (sei que depressão não é brincadeira, mas tudo tem limites). E tivemos o mesmo pensamento que “estão reclamando disso para mim? depois de tudo que passei? estão realmente reclamando da vida bela que eles tem enquanto passamos meses numa cama?”. Sei que cada um carrega a cruz que aguenta, mas tem horas que da vontade de falar: “Acorda pra vida, só tem problema quem está vivo.” (desculpem o desabafo mas as vezes preciso de umas indiretas diretas).

Retomando…

Ter a chance de observar a vida em todas essas dimensões é uma oportunidade única. Jamais desejo um câncer para ninguém, mas quem conviveu de muito perto por isso ou passou por isso sabe o que é ter uma perspectiva muito diferente do mundo. Acredito que nem precise ter um câncer para se chegar nessa perspectiva, basta ajudar de verdade alguém que precise de ajuda e participar de um problema real que o resultado deve ser parecido.

Digo pela época que vivia internado, assim como meu amigo que está prestes a se curar por completo, que não existe maior ou menor importância de viver no rock’n’roll ou no olho do furacão. O que realmente importa é estar ali. Lutando, sabendo que ambos momentos passarão. E ali iremos seguir, com nossos 300 nortes para se decidir ou decidir seguir em todas as direções. Aos poucos a gente vai se acostumando que é apenas um circulo. Que saímos de uma fase ótima para uma ruim e logo retornaremos para a fase boa. E o bom disso é que se um dia vier outra fase ruim estaremos prontos para o que vier, pois sabemos que também passará. Assim como problemas, só tem medo quem esta vivo.

Mesmo existindo dez nortes e escolhendo todos ao mesmo tempo ou apenas um, o caminho será apenas um. De continuar por aqui.

Reclame menos e agradeça mais

“aqui estou mais um dia”

 

Desculpem a ausência, a vida ficou um pouco mais corrida do que minha vida antiga.