D279 Fim da pausa

D279 Fim da pausa

2 de dezembro de 2015 0 Por Daniel Campbell

D279

Caros, voltei para SP na segunda a noite após uma semana única entre muitos queridos. Recebi a primeira folga descente da rotina daqui. Passei 10 dias pelo Rio (em casa). Alguns acompanharam pelo instagram momentos da passagem por ai. Ontem recomecei o vidaza! Mais um ciclo que termina nesse sábado. Uma galera andou falando que engordei, realmente… dei uma passadinha na balança e ganhei uns 5 kilinhos a mais nesses 10 dias. Culpa de quem só me chama para comer e não me chama para caminhar (como comi)! Na verdade a médica acredita que o ganho de peso seja devido ao remédio que estou tomando para controlar a doença do enxerto (gvhd). O hemograma está bom (51.000 de plaquetas e 8000 de leucócitos). Em relação a saúde esta tudo indo de vento em popa.

A Leucemia está, a cada dia, ficando mais para trás. Em breve chegará o dia de um ano da terceira recaída. Mas sinto que a cada dia que está passando ela está se enterrando mais. Sempre falei sobre aceitar a doença e agora mesmo com os ciclos que ainda faltam de quimioterapia sinto que ela já se foi (sem chances de voltar). Aceitar e encarar tudo de uma maneira “light” me fizeram chegar aqui. E acho que a maior recompensa disso tudo é poder estar passando um pouco dessa realidade surreal para vocês. Aprendi muito com o apoio de vocês. Esses dias estávamos conversando e dizendo que eu não era uma pessoa comum. O legal disso tudo foi passar a enxergar que ninguém é comum. Todos somos especiais de uma certa forma, somos únicos. E trazer tanta gente única para explorar essa experiência rumo ao desconhecido me ajudou a percorrer esse caminho todo. Acredito que cada um de nós tenha um mistério que carregamos conosco e estou descobrindo o meu nessa história toda.

Outro assunto que falei também nessa semana é quem consegue ser lúcido nesse mundo atual. Sempre fui lúcido ou consciente sobre a doença, acho que deixar ela de fora da minha cabeça me deixou mais sossegado para esse período difícil. Não digo que foi fácil, pelos sustos que ela dava a todo momento. Achar uma orientação no meio disso tudo é muito mais difícil do que se imagina. Normalmente já é difícil se orientar, doente então… Mas aprendemos que não adianta relutar. O jeito foi aceitar e abandonar os receios, os medos, a ansiedade, blablabla wiskas sache. E aprender a ser feliz com as poucas coisas que iam surgindo aos poucos. Bem no esquema “um passo de cada vez”. Passar a fazer as coisas com alegria ajudou e muito abandonar tudo isso, por mais simples que fosse. Talvez por isso fique tão feliz de ir para o Rio e apenas rever meus amigos e família sem precisar de mais nada. Seja para uma volta na Urca, um churrasco na rua, até uma volta de carro. Passar a amar tudo o que faço, independente do que for, deixou tudo mais leve.

 

Sei que alguns que leem minhas coisas não me conhecem e nem talvez um “oi” tenham falado comigo. Mas sei que de alguma forma me ajudaram ou ajudarão outras pessoas pela minha história então achei justo compartilhar por aqui algo da minha vida pessoal. Além da minha saúde, comecei a conquistar meus sonhos novamente. Hoje recebi a notícia que passei para cursar um mestrado em bioctecnologia marinha. Essa sensação da vida normalizando não tem preço. Poder desfrutar essas coisas fazem até a gente se arrepiar, ficar sem saber o que fazer. Foram 2 anos e alguns quebrados de incertezas e ter uma notícia dessa faz com que eu veja que ainda estou trilhando o caminho certo, para um novo desconhecido com um final muito mais atraente. Aceitar tudo e poder extrair tamanha felicidade das coisas como molhar o pé no mar (escondido) até o ápice de passar nessa seleção me tornam mais forte para enfrentar o que estiver por vir. Por isso hoje venho escrever mais para comemorar com vocês (conhecidos, amigos, desconhecidos, papagaio, periquito) e compartilhar minha felicidade. É hora de aproveitar o fato de estar no topo de boas energias, de extrair cada gota dessa felicidade!

Antes da doença muitos sabem o quanto minha vida estava agitada, cheia de compromissos particulares, cheio de preocupações. Mas me permitir receber essa paz (talvez forçada pela doença) e isso me fez sentir mais vivo mesmo durante a doença. Escutei em um sermão que nosso corpo é nosso templo e por estar aqui agora (vivo) me sinto em casa. E é tão bom desfrutar essa sensação que a vida agitada de antes não me permitia. Não digo que todos precisamos de um câncer para ver isso, mas que podemos dar uma pausa na “vida” para lembrarmos que podemos estar em paz e ver a beleza de desfrutar tudo o que podemos. E por sermos únicos nossa existência tem um valor tal que deixamos esquecidos.

Agradeço a todos que participaram de alguma maneira nisso tudo, direta ou indiretamente e que a felicidade alcançada no dia de hoje (279) possa ser dividida com todos vocês!