D204
D204
Caros,
depois de 3 dias no rio resolvendo uns probleminhas pessoais, estou de volta em SP. Os exames estão ótimos. O pulmão que ainda tem que fortalecer um pouquinho por causa da pneumonia só. Cheguei aos 73 kilos, mas já comecei a recuperar de novo.
Nada como ir para o rio respirar novos ares. Matar a saudade dos amigos não foi possível dessa vez, mas pelo menos da minha cama valeu a pena. Do cantinho da minha cama consigo ver o cristo. Descobri que da ex cama do meu irmão também. Alguns momentos que sempre passaram despercebidos. Mesmo sem fazer nada Rio (ou lar) ainda é meu remédio da alma. O bom de se ter muito tempo livre é que as vezes consigo ficar pensando e refletindo sobre várias coisas que estão se passando. Estava já há algum tempo sem parar para escrever direito aqui. É uma sensação engraçada quando as pessoas começam a me cobrar o por que de eu não estar mais escrevendo. Vejo que as pessoas realmente procuram notícias e ficam esperando. Brinquei com isso esses dias que ninguém mais gosta de ler muito, coisas em geral. Acho que o mundo está mais para imagens do que palavras. Mas essa cobrança de falta de notícia me faz sentir bem em escrever mais uma vez.
Esses dias de rio sempre fazem bem para a cabeça. Saio da minha gaiola de pedras de SP (nada contra sp). E dessa vez não foi diferente. Conversar com os amigos, poder falar sobre a vida, besteiras, jogar conversa fora, se distrair. Uma fuga dessa minha nova realidade forçada. Hoje conversei com um amigo sobre toda a história de novo, desde lá do início de tudo. Como a notícia chegou de paraquedas no meu colo, do tratamento todo, das restrições, da vida que eu estou levando aos poucos. Agora depois dessa pneumonia com mais cautela ainda. E talvez com um pouco até mais de juízo. Acho que a sombra da doença realmente esta ficando para trás mesmo passando por essa rápida internação que não teve nada a ver com a leucemia. Sinto que a página esta se virando. O medo de um dia voltar já não existe (e não é “achismo”). Resolvi remar a favor da maré.
Já passamos de 200 dias, me sinto bem. Bem comigo mesmo, sem conflitos, sem ansiedade, sem pressa. Sabe aquele momento de paz? É quase isso. Agora é só dar tempo ao tempo, esperar desfrutrando do que posso. E não tenho do que reclamar. Afinal D204. Já passei dos 100 e poucos dias do primeiro TMO. Manchas na pele por GVHD ( doença do enxerto) já são até bem vindas. Cada dia que passa é uma certeza de que tudo passou.
É complicado viver nessa situação, ter esse tempo todo vago já me deu muito trabalho também. Afinal cabeça vazia é oficina do diabo. Minha mente já me pregou muitas peças em relação a tudo isso que passei. As vezes a gente se apega em alguns pensamentos por besteira e vai acumulando aquilo. Uma quantidade de coisas desnecessárias, viagens sem fim que no fundo não levam a lugar nenhum. Sei que devemos ser realistas, racionais. Só que as vezes isso ocupava espaço demais. Preocupações que não iriam ajudar em nada, só atrapalhar. Aprendi a buscar meu silêncio. Foi complicado no início, toda aquela tensão da doença. Tive todo um suporte que me permitiu pensar só em mim, no meu silêncio, na minha paz. Então o medo vinha, só que do mesmo jeito que vinha ele ia embora. Escolher as coisas certas para pensar sempre foram meus maiores motivadores, seja para ter mais paciência ou para segurar a lágrima quando as coisas apertavam. O foco sempre existiu, mesmo quando nuvens surgiam no pensamento. Hoje em dia se falo menos ou se pareço mais calado não é porque estou triste ou algo assim. Só estou em paz. Um dia (no dia do meu transplante) pedi para muitos que tirassem 15 minutos de paz durante a hora da transfusão. E hoje agradeço pelos que ainda tiram esses 15 minutos de paz (orações, preces, energia positiva, etc) não só por mim. Aprendi que pedir para os outros nos faz tão bem quanto pedir para nós mesmo e peço para sempre que puderem fazer isso por alguém, mesmo que desconhecido. Pois em mim com certeza chegou muita coisa boa e agradeço por poder estar aqui dividindo o D204 com vocês.