D1914 Presentes

D1914 Presentes

24 de maio de 2020 3 Por Daniel Campbell

Aniversário? Você é daquele que celebra no dia, mas na semana anterior tem crise da meia idade?  Quando eu era criança odiava receber roupas, mas adorava ganhar um lego. Acho que um dos sinais de amadurecimento é quando ficamos felizes em ganhar roupas. Aquele saco de 12 pares de meia então, dá taquicardia de emoção…

É uma das datas que consideramos comemorativas, simbólicas. Como já estou com 35, já superei a crise dos 30 e estou longe demais para a dos 40. Para escrever aqui, geralmente espero digerir meus problemas e amadurecer algumas ideias. E trazer algo que construí com as pedras do caminho. Por isso o atraso em relação ao dia 20.

Lembro como se fosse ontem os meus 28 anos. Estava bem demais profissionalmente, socialmente e me julgava um bom vivant.  E veio o 1º diagnóstico naquele 9 de julho de 2013. Com ele veio o 1º tratamento, seguido pela primeira recaída. E entre abril e maio estava eu lá internado tratando minha segunda leucemia. Existia uma dúvida sobre o amanhã. Acredito todos os pacientes oncológicos ou quem já passou por uma situação de risco questionem um pouco mais a existência do amanhã do que antes dessas situações.

Naquela internação, meu presente de aniversário veio antecipado. Descobrimos o até então anônimo João. E não precisamos esperar até o dia 20 de maio para celebrar. Cada novo dia que vinha passou a ser uma alegria, mesmo com as dúvidas sobre o amanhã e tudo que estava por vir.

Ainda internado e com o aniversário cada vez mais próximo. Não podia reclamar, pois estava vivendo e celebrando o presente em cada dia que vinha. Aquela sensação de borboletas na barriga talvez exista e aquele presente era melhor que qualquer lego, 12 meias, 6 números da mega sena. Só que faz parte da natureza humana nunca estar satisfeito e não queria um aniversário internado.

Sabia que precisaria de 48h seguidas sem febre para ter alta. Nunca fui muito de comemorar aniversários, só que dessa vez queria dividir a alegria do meu presente sem pensar no futuro. Meu lado taurino de orgulho e determinação falaram mais fortes e fizeram a febre acalmar para que eu pudesse estar aonde eu queria estar… “não há lugar como o nosso lar”

Repito que nunca fui fã de festinhas no meu niver, mas aquela fiz questão. Tive direito a festa com amigos de todos os grupos que participava. Usei até meu oncocard para fazer Carol e Be irem na festinha.

O bolo não foi de cenoura com chocolate, mas de bala 7 Belo. E daí fomos para o 1º Transplante de medula óssea (TMO). Depois dele veio a segunda recaída (3ª leucemia), seguida pelo 2º TMO. Em 26 fevereiro de 2015 ganhei mais um aniversário. Então veio mais um 20 de maio.

Depois de alguns 20 de maio aqui estamos. Com os 3 da família recuperados da covid em casa. E com cada dia que vem, mais razões para comemorar e celebrar. Os anos passam e o que para uns é envelhecer, preferimos pensar que é amadurecer. Nesse amadurecimento de 2500 e poucos dias desde aquele 9 de julho, faz a gente entender que não é preciso esperar o 20 de maio para receber presentes. Entendemos que o melhor presente é o presente, estar presente por mais um dia.

Durante 2511 dias realmente aprendemos o quanto a vida é curta. Passamos a entender “que a hora da morte é incerta, mas a morte é certa”. Falar em mais um dia também significa menos um dia. E mesmo compreendendo um pouco mais sobre a finitude da vida, passamos a nos sentir mais vivos. Ou que pelo menos estamos aproveitando melhor do que antes cada momento.

Sou grato pelo meu passado, do jeitinho que foi. Poderia ter sido melhor? Poderia, mas também poderia ter sido pior. Só que o que ele me trouxe nem minha melhor projeção de futuro poderia me trazer. E o que ele me trouxe? Entendimento. Passamos a entender que por mais complicações que temos, devemos focar nas coisas boas. Passamos a entender que cada dia é único e só ali podemos realmente viver.

Dizem que o amanhã só pertence a Deus. Então levei ao pé da letra “aceita que dói menos”. E aceitar as coisas como elas são não necessariamente significa desistir. Talvez aceitar seja o melhor presente para aprender a viver o presente, a melhor forma de entender o presente. Não é que a gente perca as esperanças no amanhã. Passamos a não precisar mais de esperanças, porque entendemos que o presente é bom e mais que necessário para sermos felizes. Afinal, “o extraordinário é demais”…

Obrigado pelo melhor presente que eu poderia ter, mais um dia… (sem revisão)

“Onde você estiver, é exatamente onde você deveria estar. Onde quer que você esteja, se você puder simplesmente aceitar isso, o inferno desaparece, porque o inferno em si só pode perdurar através de sua rejeição a ele. Aceitando-o, o inferno desaparece e surge o paraíso.”