D1891 Todos caem

D1891 Todos caem

1 de maio de 2020 1 Por Daniel Campbell

Como explicar a sensação de receber o 1º diagnóstico de câncer? Sei que o exemplo que irei usar é bem distante da realidade, talvez porque essa batata quente quando cai em nosso colo tenha o impacto de uma bomba. Mas tentarei fazer uma comparação que provavelmente todos já passaram em algum momento da vida.

Imagine você levando sua bela vida normal e um belo dia você percebe algo errado no seu prédio. Você aperta o botão do elevador e percebe que está sem energia. Anda até a escada e começa a subir com ajuda de uma vela (bem medieval), sua única fonte de luz. São 100 andares para subir ou anos para viver, pois somos otimistas.

Quando você está entre 28º e o 29º andar, cheio de gás ainda pela longa escadaria da vida, vem uma corrente de ar e apaga sua vela. Você ainda está entre esses andares e continua subindo no escuro. Você pensa que mora há 28 anos ali, é um degrau após ao outro, um dia após o outro.

Mas sabe quando você acha que tem mais um degrau e dá um passo, mas não tem degrau e perdemos o equilíbrio? É algo assim, perdemos nosso chão. Acordamos para uma realidade não prevista do nosso dia a dia pisando em falso dos sonhos da nossa vida em queda livre lá do 28º andar. E a queda é tão rápida e cruel que não conseguimos nem respirar.

O início do tratamento não é fácil para ninguém. Se fossemos “personificar” o câncer durante esse início com certeza ele seria a Morte, com aquela roupa preta e de foice na mão. É um assunto bastante delicado de se falar, mas o câncer deixou de ser uma sentença de morte.

Óbvio que falo sobre isso para quem se cuida, faz exames preventivos e está sempre tomando conta da sua saúde. Além disso, a cada dia que passa a medicina avança mais e desmistifica esse estigma de sentença de morte.

Nós sabemos o quanto as pessoas que estão a nossa volta torcem por nós. Só que digerir essas informações pode levar um tempo. E como cada caso é um caso, também temos tempos diferentes para digerir tamanha informação.

E por mais que todos falem que vai dar tudo certo, por mais confiantes que estamos, vivenciamos alguns momentos em que a situação complica. E na hora do primeiro diagnóstico tem que ser muito evoluído para não se abalar. Em momentos assim “está tudo bem não estar bem”.

Durante grande parte do meu tratamento, após a digestão do primeiro diagnóstico, meu maior receio era o retorno do câncer. Receio é minha maneira carinhosa de chamar meus medos, pois morria de medo de uma recaída, de pisar em falso novamente, cair do andar que eu estiver.

Ficamos com medo do que está por vir. E talvez por conviver tanto tempo com essa sombra, começamos a entender que não é especificamente da palavra câncer que temos medo, mas sim sobre as incertezas do amanhã.  É mais que natural temer o desconhecido, subir sem subir as escadas sem saber aonde colocar os pés. Quando somos pacientes oncológicos de primeira viagem o medo as vezes nos domina.

Talvez o mundo de hoje mostre o que passei/passamos para muita gente. Estamos subindo numa escada escura e sem corrimões (para não contaminar). Ser privado da visão nessa subida é cruel, aonde daremos o próximo passo? Será que tem degrau? Será que chegaremos no próximo andar?

O desconhecido assusta qualquer um. Pouco antes dessa minha internação atual, conversei com o Dr. Ricardo sobre alguns medos e ele disse que eu deveria “confiar minimamente”. Confio que essa pandemia, minha mielodisplasia serão somente uma fase. “As vezes precisamos descer um degrau para subir dois” né?

Só que se tem algo que aprendemos minimamente vivendo esses tropeços inusitados é confiar. Confiar que seremos felizes com o que fazemos agora, no degrau em que nosso pé está. Li ontem no instagram do Isaac que “aprenda a sorrir, porque a chorar a gente já nasce sabendo.

Todos perdemos o chão em algum momento da vida e vem aquela sensação de queda. E afirmo que um dia você vai cair também, não é olho gordo. Mas só tem problema quem está vivo. Cada um tem seu tempo de queda, independente do problema. O importante é “levanta, sacode a poeira e da a volta por cima”.

“O que não mata, nos fortalece”! A cada susto da vida aprendemos a ter bons olhos para pequenas coisas que quando estamos no automático já não passamos a observar. E perder o chão nessa quarentena faz a gente abrir os olhos e enxergar muito nessa escadaria da nossa rotina.

Não precisamos ter receio do que está por vir. Meu tratamento foi paralisado por um susto. Já estou me sentindo bem melhor e retornarei para a casa em breve, mas as luzes foram apagadas por alguns dias. Claro que assusta! Só de tempo ao tempo, porque ele ainda é o melhor remédio. Iremos digerir essa fase e aprender muito com ela.

Coloque no seu checklist não apenas suas obrigações, mas coisas que façam a vida valer a pena. Porque “o que se leva da vida, é a vida que se leva” e não o que está próximo degrau. Afinal, “o que não tem remédio, remediado está”.

A música talvez te faça mais sentido agora…