D1868 Permita-se

D1868 Permita-se

9 de outubro de 2019 4 Por Daniel Campbell

Procrastinar, a arte de deixar para amanhã o que poderíamos fazer hoje. Não adianta negar, em algum momento da vida nos seremos procrastinadores. O problema não é procrastinar, mas não fazer nada para sair desse estado quando ele nos incomoda.

Acredito que a maioria já sabe que venho com notícias sobre meu novo estado de saúde. Preferi não usar notícias ruins para definir essa notícia e espero que vocês entendam. Dia 15 de setembro viajei para mais um exame de rotina em SP. A princípio era apenas um hemograma. Já sabíamos do meu quadro de anemia que começou em maio e estávamos controlando.

O que não esperávamos era que depois de comer tanta couve, beterraba, fígado e afins essa anemia iria persistir. Em junho antes de viajar, fizemos um mielograma para descartar a anemia estar associada a leucemia.

Um parêntese aqui para quem ainda não conhece minha história. Se você conhece avance para o próximo parágrafo. Em 2013 fui diagnosticado com Leucemia, foram 3 ao todo até 2015. Em 2015 fiz meu segundo TMO e meu pai foi meu doador. Passaram-se alguns anos de controle e estava tudo ótimo até esse hemograma.

O mielograma (exame que acompanha a produção de sangue pela medula) de junho estava bom, tomei uma bolsa de sangue para realizar minha viagem tanto desejada. Ao retornar fiz um hemograma que acusou a anemia, mas ainda estava em um nível melhor que o da viagem. Então por raciocínio logico a medula estaria se recuperando lentamente.

O hemograma então veio mais anêmico do que antes. E o que era um hemograma de rotina se transformou numa internação. Acordamos segunda com uma mensagem do meu hematologista pedindo que fossemos para o hospital internar para fazer um checkup total da minha medula para entender o que estava acontecendo.

Depois de algumas punções da medula e com resultados parciais veio a notícia da mielodisplasia. O chão eu já tinha perdido quando ele falou da necessidade de internar. De novo aquela sensação dos planos indo embora. Logo agora que a viagem tinha sido maravilhosa, aquela sensação de se permitir a sonhar voltando. E os planos do ano que vem fugindo da realidade.

E como disse no último post… “”“É preciso ser muito evoluído para não se abalar, para não cair com uma puxada de tapete. Ainda não é o meu caso. Sei que só eu posso me iludir com a ponto de perder o tapete, o chão. Logo durante a primeira ou segunda noite no hospital, estava caminhando com minha mãe no corredor. Agora o setor que eu internava na época do meu transplante também virou área pediátrica de transplante. Pacientes de 6 meses, 2, 4, 6 anos.

Todos com um problema semelhante com o que passei. E me peguei pensando… “triste por que?” Estou com 34 anos muito bem vividos. Tive oportunidade de tantas coisas, talvez não tenha aproveitado da melhor forma possível. Só que tive a oportunidade.

Coloquei a cabeça no lugar para lembrar de oportunidades tive pós transplante. Como pude esquecer depois de tantas lições a não olhar o lado bom das coisas? Foram quase 1700 dias de oportunidades. Vivi o presente tão bem, por que ficaria mal com o futuro tão incerto? Se o futuro de todos é incerto…”””

Foi então que bati o martelo…

Ah, dessa vez não! Sem chão para perder, de novo não. Como vocês sabem sou fã de frases prontas. E tratei de aceitar para doer menos. “É uma mielodisplasia?” Que seja… “Qual o tratamento?” Vidaza (quimioterapia “mais fraca”). “Por quanto tempo?” O hematologista disse que talvez um ano, mas no fundo já sei que é até eu me curar.

A mielodisplasia NÃO é um câncer! No meu caso, que o paciente já passou por um tratamento com quimioterapia ou radiação, por exemplo, pode acabar desenvolvendo a mielodisplasia por este motivo em específico. Em alguns casos, a doença pode evoluir para uma leucemia mieloide aguda, quando a medula para completamente de produzir células saudáveis (fonte: abrale.org.br). Como tenho esse histórico de 3 leucemias e 2 transplantes, não sigo muito essas regras. Então não quer dizer que terei leucemia novamente.

Dessa vez sem chão para perder, ele ficará bem debaixo dos meus pés. E lá vamos nós… se a vida nos dá limões que sejam feitas caipirinhas. E se “há males na vida que vem para o bem” que exista essa mielodisplasia que venha para o bem.

Os embarques tanto almejados só serão possíveis quando eu estiver curado, então um beijo embarques e até breve. Agora minha nova condição irá me guiar, já comecei a focar nas possibilidades que a vida está me dando. Já estou de volta ao jogo e com meu chão. Minha família, meus amigos, meus doadores serão meu chão.

Assim tenho certeza que um dia posso me abalar, com certeza um dia irei me abalar. Só que dessa vez não irei cair. E por mais que caia, terei meu chão e me levantarei. Não me acomodarei… e a lição de tantas leucemias e mielodisplasias seguirão comigo dia após dia… Um da de cada vez… e cada dia uma nova oportunidade de correr atrás da minha felicidade. Continuarei a “matar um leão por dia, para amanhã não serem dois”…

#vocênãoestásozinho

Quero agradecer já as tantas doações que foram feitas diretamente para mim no Hospital Samaritano. E agradecer também as pessoas que foram doar para outros “danieis” internados por aí… “Gentileza gera gentileza”

Vou me despedir com a música que virou um hino dessa internação, que me deu um pouco de força e me fez enxergar meu real chão… ah! Como não é câncer seguimos no D1868! Estou de alta, até a próxima quimio!