D1814 além do horizonte
“Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que percorremos, mas se nos detivermos em nossa imagem, quando a iniciamos e ao término, certamente nos lembraremos o quanto nos custou chegar até o ponto final, e hoje temos a impressão de que tudo começou ontem.” E por que começar com um trecho de Guimarães Rosa?
Esse mês completa 5 anos do 2º TMO (a famosa cura para pacientes oncológicos). Uma história repleta de emoções e aventuras. Durante essa trajetória, evitava olhar para trás e fazer planos além do meu horizonte “o que os olhos não veem o coração não sente”. Evitamos olhar para trás e fazer planos além do horizonte. Mas aprendemos que na vida também tudo passa. E agora tanto tempo após o TMO começamos a mudar esse pensamento aos poucos.
Só que quando saímos do olho do furacão, parece que estamos mais fortalecidos (talvez aliviado seja a palavra certa). Pensamos “já passou” e conseguimos olhar para trás. Aprendemos que a cada dia que passa, o olho do furacão se distancia mais e o final do horizonte se aproxima. Acredito que o final do horizonte de nós pacientes seja a cura. E chegar lá entendemos que o mundo dá voltas, que nosso próximo passo pode ser “para o infinito e além”.
Após o TMO começamos a contar os dias, assim como um viajante conta os Km na estrada aguardando o destino final. Passamos dia por dia… D1… D2… e hoje estamos no D1810. E não nos permitimos parar, sempre em frente. Só que chegar no 1810, nos permite diminuir a velocidade e olhar para trás.
Olhar para trás seguindo frente, dia após dia. Como quem olha a estrada pelo retrovisor se tornou um ótimo combustível motivacional para simplesmente não parar. Sei que tiveram momentos ruins, mas a cada dia que passa essa tempestade fica mais para trás. E para cada dia ruim, temos um dia de vitórias. Então preferi me apegar nas vitórias. De 2013 para até 2020 foram inúmeras pequenas conquistas.
Tudo que escrevi até aqui foi um rascunho que escrevi no domingo antes de viajar para o 6º ciclo de vidaza em SP. Quando algum pensamento vem na cabeça anoto no celular, meu bloco de notas é uma confusão. As vezes venho aqui dividir algumas coisas que estão lá.
E por que estou falando isso? segunda-feira, uns dias antes da viagem, coletei meu hemograma de controle. Na quinta anterior estava em 20 mil plaquetas, eu sabia que ia subir. Minha única preocupação era se eu teria que tomar uma bolsa de plaqueta ou não. Na verdade, não era uma preocupação, era só a “encheção” de saco que seria tomar benadryl, ficar dopado e passar o dia na função da transfusão.
Peguei o resultado do hemograma e fui direto nas plaquetas que eram minha preocupação. A gente já até aprende o dia que cai e quando volta a subir. Sigo sem transfusão desde dezembro, que é um ótimo sinal. Parei para olhar o resto do hemograma e para minha surpresa a série branca (da imunidade) estava toda confusa, mas bati o olho logo em 5% de blastos.
5% de blastos… a última vez que vi isso foi em dezembro de 2014. Era minha segunda e última recaída. Estava na cama vendo o resultado e ali fiquei. Enviei para o Dr Ricardo e aguardei. Nada mais me importava, só queria entender por que raios tinham 5% de blastos ali. Ele deve ter demorado uns 15 minutos para me responder, mas já foi o suficiente para passar 1000 coisas na cabeça.
Dr Ricardo disse que não precisaria transfundir e nem tomar remédio para a imunidade. Não aguentei e perguntei sobre os blastos. Ele foi simples ao dizer que aquele hemograma só servia para controlar o granulokine e as transfusões. Para repetir o exame em 3 dias. A gente passa tanto tempo longe do furação que a sombra do câncer cada dia some mais.
Enviei para a Dra Juliana também, minha hemato no Rio. Ela percebeu minha preocupação e disse que meu exame poderia estar errado. Só que há 7 anos praticamente vivendo isso a gente se torna macaco velho. Na minha segunda recaída também me falaram que era um erro no exame.
A única vez que realmente erraram meu hemograma tive a mesma sensação, nunca vou esquecer a revolta e o ranço que fiquei do laboratório Bronstein. É inadmissível um hemograma estar errado, um exame tão simples.
Comecei a pensar sobre, acho que é impossível não pensar. Logo um dia depois do rascunho para os 5 anos sem câncer me vem esse hemograma. Fiquei triste, só que acho que fiquei foi mais é de saco cheio. Em setembro vim para ficar 3 dias em SP, acabei passando quase 4 meses.
Fui visitar a Marina, porque da última vez eram apenas 3 dias… Peguei meu videogame, uma penca de livros e roupa para 1 mês. Afinal, ser paciente eu sei…
Ao chegar em SP fizemos um novo hemograma. Não sou muito de olhar resultados. Desde a 2ª recaída aprendi que noticia ruim chega a cavalo. Demorei quase 4 horas para olhar o resultado, acho que já estava treinando ser paciente. E estava lá, sem blastos. Nem 0% era, pois quando não tem não aparece. Não quis colocar o resultado com os blastos até ter uma certeza.
Fiz o mielograma e estava tudo bem também. No fim foi apenas um susto. Acho que depois dessa trajetória toda a gente fica calejado. Não que eu estivesse esperando pelo pior, a esperança é a última que morre. Jamais espero que o câncer volte, mas puxar meu tapete não irá mais. Tem horas que realmente enche o saco ter essa sombra atrás da gente.
Dr Ricardo explicou o que ele pensava em relação ao hemograma e meus exames. Estou respondendo bem ao tratamento. Só que por precaução meu nome retornará ao REDOME. Perguntei a ele se poderia continuar contando os dias sem câncer e ele afirmou que sim. Mielodisplasia não é câncer.
Dizem “que parte da cura é o desejo de ser curado” e podem ter certeza que ninguém quer mais esses 5 anos e “para o infinito e além” do que eu. Só que “um homem prevenido vale por 2”. Eu e Dr Ricardo somos 4.
Estou na bordinha do horizonte e descobrir que o mundo dá voltas é gratificante. Essa semana, durante esse ciclo de vidaza um amigo de tratamento escreveu um pensamento que gostaria de dividir com vocês.
“A única coisa que torna a batalha psicologicamente tolerável é o companheirismo entre os soldados” (Sebastian Junger). Vou queimar a largada e já comemorar… “um bom dia, boa tarde e boa noite!”, obrigado a todos que me acompanharam de alguma forma até aqui!
Sem revisão (não é novidade)… fim do 6º ciclo, em breve casa! E doem medula!!!!