D1726 Ah, se eu fosse marinheiro

D1726 Ah, se eu fosse marinheiro

18 de novembro de 2019 5 Por Daniel Campbell

“O que você quer ser quando crescer?” Você lembra do que respondeu aos seus 13 anos? Lembro bem, queria ser oceanógrafo. Desde bebezinho já ia a praia e tinha uma prancha de tartaruga azul. Não sei se já me entendia por gente, mas por ver em fotos e de tantos na casa de praia lembrarem da história dessa prancha parece até me recordo daquele momento.

Tínhamos várias pranchas de boadyboarding, família grande. Mal sabia nadar e mesmo assim pedia para meu pai me levar bem no fundo porque queria surfar as ondas sem espuma. E aos 6 ou 8 talvez, acho que já tinha na veia a ideia de “que só se vive uma vez” e achava o máximo descer a onda sem ela ainda ter espuma.

Aos quase 13 de tanto ficar em pé nas pranchas que era para surfar deitado ganhei a primeira prancha de surfe dos meus avós, ainda tenho ela na parede da mesma casa como um troféu. E aos 13 também fiz meu curso de mergulho. Lembro como se fosse ontem, saímos da casa de praia para Búzios. No dia da prova prática o dia estava nublado e frio, com água turva. A Olga, minha vizinha do Rio, foi minha dupla. Acho que esse foi o motivo da minha mãe ter deixado eu fazer o curso.

Afundamos e fiz todos os exercícios. Na hora do último que tinha que subir até a superfície sem o regulador (sem oxigênio) fiquei ansioso por ver a superfície e ela nunca chegar. Fiz sinal que o ar tinha acabado, meu instrutor que acompanhava tirou o regulador dele e colocou na minha boca. Subimos, tomei coragem e voltei para repetir. Aprovado!

No dia seguinte veio a recompensa. Meu primeiro mergulho como mergulhador e o mar batia bastante. Eu era o mascote da turma e oferecia biscoito para os adultos que estavam enjoados e me divertia com eles vomitando por conta do mar agitado. Quando o barco parou e senti as ondas, paguei meus pecados e vomitei todos os biscoitos. Me mandaram para a água e o enjoo passou. Estávamos numa ilha, com o mar batendo e para meus 13 anos aquilo era o máximo.

Afundamos e saímos daquele mar agitado, com ventos e ondas grandes para uma calmaria surreal. Quanto mais afundávamos, mais em paz eu ficava mesmo sentindo meu coração a mil. Aquelas cores todas, aquela vida toda, naquela paz e silêncio aonde só ouvia o fundo do mar e a respiração.

Tive certeza ali do que eu queria ser quando crescer, oceanógrafo. Queria viver no mar. Aos 16 anos tive meu primeiro pranchão. Sempre gostei de passear nas ondas. Era engraçado porque o pranchão não cabia no ônibus, então eu era dependente do meu pai para poder me levar de carro para surfar. E tinha um gosto por mar grande, essa criança era tão irresponsável.

Aos 18 não passei no vestibular para oceanografia, mas aos 19 estava no carro com meu pai quando passamos em frente a USU e tinha um curso chamado biologia marinha/oceanografia biológica. Então entrei para “bio mar”, sem querer me encontrei e no mar continuei.

Meu primeiro estágio aos 22 foi em Arraial do Cabo, com recursos pesqueiros (peixes comerciais). Antes que me corrijam é Enchova e não Anchova. Abri 200 estômagos de enchova, analisava ovas, identificava peixes. Lembro que o filho de uma conhecida comentou: “é ele que cheira peixe”. Adoro essa sinceridade de criança…

Estava realizado estagiando lá, um jovem adulto sem muitas responsabilidades ainda. Saía do estágio e ia para a praia. Minha mala ficava jogada no banco de trás, a prancha no teto do carro.

Em 2011 para o mar voltei, sem prancha e sem equipamento de mergulho. Dessa vez iria me aventurar em mares bem mais distantes da costa. Comecei a trabalhar embarcado e escutava de muitos que era coisa de louco ficar 35 dias no mar e 35 dias em terra. E preferia olhar para o lado bom, sorria e dizia que tinha 6 meses de férias por ano. Minha cabine ficava 2 minutos de distância do meu escritório.

Obvio que abri mão de muitas coisas, datas comemorativas então perdi as contas. Mas para que olhar para o lado ruim? Eu podia ir na praia de segunda a sexta na minha folga e deixava final de semana para os mortais que trabalhavam em terra.

Então vieram as Leucemias, o tratamento, quimio, osteonecrose, tmo, São Paulo, blablabla wiskas sachê e do mar me afastei. Talvez 4 anos sem entrar no mar? As vezes colocava só o pezinho na água, se passasse uma semana sem febre eu postava a foto. Brincava com meu médico de SP que precisava respirar maresia, então ele mandava eu usar rinosoro.

Descobri que aonde havia estagiado abriria um curso de mestrado. Ainda faltavam 1 ano de quimioterapia após o 2º transplante. Pedi ao meu médico e ele deixou. Morar em Arraial e não poder ir na praia é pior que estar de dieta e ter um pote de Nutella na geladeira.

A osteonecrose era bem dolorida, precisava usar muletas por contas das pontadas de dor. Um belo dia minha dermato deixou eu entrar na água. Primeira coisa que pensei é que poderia voltar a surfar. Já não tenho mais a mesma juventude de alguns tempos atrás e fui em um dia de ondas pequenas. Só que a dor da osteonecrose falou mais alto.

E voltei a surfar deitado. O importante era estar na água se divertindo. Para voltar com minha rotina de mares faltava apenas embarcar. Por conta da muleta não consegui, na primeira semana fiquei revoltado e pedi para meu ortopedista operar. Ele pacientemente me explicou o que implicava em colocar uma prótese tão jovem. Preferimos então esperar.

Como “o que não tem remédio, remediado está” e “Deus escreve certo por linhas tortas” em um bar encontrei um amigo fisio que junto com meu ortopedista me convenceram a largar as muletas. Em 4 meses consegui largar e surfar em pé, foi meio dolorido ainda mas foi.

No post passado falei sobre “e se eu não tivesse passado pelo câncer?”. Nesse eu digo “e se eu não tivesse tomado coragem de afundar no mergulho de novo?”, “e se eu tivesse passado em oceanografia?”, “e se eu tivesse desistido de surfar?”.

Olhar a vida dessa perspectiva nos mostra o quanto não temos controle de nada e que talvez a palavra destino seja algo apenas para nos confortar. Nosso destino é feito em cada escolha a cada momento do dia. Olhar para os dois lados da rua também é uma escolha. “Camarão que dorme a onda leva”, e se dormimos demais podemos perder o “ponto” certo.

Fomos criados com frases prontas sobre oportunidades únicas, que passam e perdemos. Desse imediatismo (se preferir chame de ansiedade) acredito que todos sofremos. Em diversos momentos precisei de uma segunda chance para entender que a primeira vez nem sempre é a melhor. E mesmo assim ainda tenho uma pressa para resolver logo isso tudo.

Às vezes dormimos e oportunidades passam, acabamos “dormindo e deixamos a onda nos levar”. Só que o mais importante é acordar voltarmos para a praia surfando, fazendo o que gostamos. Pensamos que a primeira oportunidade, a primeira onda é a ideal para nós e esquecemos que para dar sorte precisamos pular até a sétima para termos um ano novo, uma vida próspera.