D1710 O importante é a rosa
Qual a graça de dormir e sonhar com algo que já vivemos? Em viver uma fantasia/sonho que já vivenciamos? Numa dessas noites internado tive um sonho com um amigo de Londres. Algo do passado em que vivemos juntos, com umas pinceladas da minha imaginação (afinal era um sonho) e um pouco de influência talvez do filme que passava na TV.
Durante o sonho viver aquela realidade novamente estava me incomodando, pois já sabia que aquilo havia ocorrido e eram águas passadas. Já sabia que meu amigo tinha um presente completamente diferente com filho e uma história completamente nova já. Estávamos “perdendo” nosso tempo ali. Sem sentido reviver aquilo (por mais legal que fosse), sabendo que seu presente tinha muito mais brilho que aquele momento.
Há um tempo atrás carreguei uma cruz bem pesadinha e aprendi algumas coisas com ela. Vivi bons e maus momentos, mas conseguimos subir nossa montanha e descansar na sombra para recarregar as energias. Caminhar carregando essa cruz me trouxe um novo presente com uma bagagem bem interessante, com uma nova história bem interessante.
Somos humanos e costumamos questionar o desconhecido. Quem nunca questionou o destino? “E se…” Essas histórias de teoria da relatividade e efeito borboletas são bem interessantes de se discutir.
Se uma borboleta bater asas na China, poderíamos ter um tornado em outro canto do mundo. Se eu não tivesse tido câncer talvez eu tivesse casado e com filhos? Ou eu tivesse bebido demais numa noitada e sofrido um acidente? Costumamos pensar primeiro sempre nas coisas boas que iremos perder e acabamos não pensando em algo pior que também poderia acontecer.
Não que sua cruz seja leve, jamais irei comparar! Mas quando carregamos essa cruz (ou momento difícil se preferir assim), conseguimos sentar lá no alto da colina, deixamos ela de lado para tomar um ar e admirar a paisagem. Então, realizamos que não existem linhas tortas, “e se”, teoria do caos, destino, azar, sorte.
Terminei meu 2º ciclo de vidaza para fazer a medula produzir sangue no “tranco”. Era o quarto dia dos 7 de quimio. Fui dormir com um incomodo no peito. Acreditava ser dores de efeito colateral do granulokine para estimular minha medula a produzir células de defesa. Ao acordar a dor que era um incomodo havia se tornado numa dor sem tamanho no coração e cai de paraquedas na UTI.
Era uma pericardite, uma inflamação da pele que envolve o coração. As vezes levo na brincadeira que já sei que tudo que acontece comigo é novidade. E a origem dessa pericardite não poderia ser diferente. Assim como a artrite do primeiro ciclo a suspeita é que minha medula pode estar reagindo, se manifestando com inflamações pelo corpo.
Na UTI conheci um técnico e em nossas conversas comentei justamente sobre a cruz bem pesada que tinha rodinhas, meus pais que a tornaram mais leves. Foi então que ele me disse que talvez minha cruz não fosse exatamente uma cruz, mas uma libertação.
Apesar de ser oriental ele tinha um tom cristão em suas palavras, contudo falou muito sobre energia. Fiquei pensando durante a internação sobre essa história de libertação e outras coisas que falamos. Nessas horas uma boa conversa vale mais que qualquer religião. E ter esse sonho louco de passado e presente me colocaram para pensar talvez mais do que deveria.
Estou no processo de digestão dessa mielodisplasia e de outras coisas na minha vida. E até hoje me pego pensando em cima lá de cima do morro em como o câncer mudou minha vida, em como mudou minha forma de encarar os problemas. O câncer realmente foi uma cruz bem pesada em ambos os sentidos. Hoje prefiro pensar nessa cruz pesada de bons acontecimentos que levei para cima do morro comigo.
Sempre me referi aos meus problemas como pedras no caminho. Mas a cada pedra que a gente chuta do caminho sem perceber estamos arando a terra. E quando pensamos no “e se”, falamos tanto nas pedras que não prestamos atenção em quantas flores foram surgindo enquanto carregávamos nossa cruz.
Deixei a cruz da leucemia lá em cima do morro e desci quase que rolando com a notícia da mielodisplasia. Agora já estamos subindo um novo morro, com novas histórias e novas flores para enfeitar o caminho. Chutarei o máximo de pedras que surgirem para fazer desse novo caminho um jardim com novas flores! Obrigado a todas as flores que estão participando dessa nova jornada!
Estou de alta, de novo! Até o próximo ciclo!