D1584 noites traiçoeiras

D1584 noites traiçoeiras

1 de julho de 2019 3 Por Daniel Campbell

Você tem medo de que? É estranho quando o medo vem e nos domina, ainda mais quando é algo desconhecido. Ao perguntar isso acredito que venham as mais variadas respostas. Talvez a maioria de vocês sabia que passei por 3 leucemias. Quando me curei da primeira, minha médica disse que a chance de voltar era alta. Já sabia que a minha leucemia era bem agressiva.

Em dezembro de 2013 terminei o tratamento da primeira. E queria recuperar o “tempo perdido”. Fui surfar, pular carnaval e “viver a vida adoidado”. Só que por mais que estivesse tirando o atraso, aquela sombra permanecia ali.

A chance de uma recaída fazia parte do meu dia a dia. Corria na esteira igual o forest gump. Quando sentia dor na panturrilha lembrava que não podia parar, um câncer não havia me parado então não seria essa dor a me parar. E outro câncer não me pararia.

Entender que o medo e a tristezas poderiam coexistir com minha vontade de viver era difícil no início. Aprendi a respeitar cada momento, tanto o “curtindo a vida adoidado” quando a sombra que não saia do meu calcanhar por mais que eu corresse. A vida cobra, mas também aprendi muito.

A gente passa a entender que não só de felicidade iremos viver e que as vezes iremos perder nosso chão. Meu hemograma semana passada no Bronstein não saiu o resultado. A única vez que meu resultado de hemograma deu “errado” foi na primeira recaída. Ainda não entendia muito bem o que a vida estava me ensinando naquele momento. Mas aprendi que quando a vida nos tira o chão quanto mais rápido levantamos, mais rápido sacudiremos a poeira e daremos a volta por cima.

Isso foi numa segunda. O médico solicitou, pois estou muito anêmico, talvez por algo simples, talvez por algo mais complicado. Só que o suspense do erro do hemograma ficou na cabeça. Solicitei ao laboratório para consertarem o erro, mas por morar longe se recusaram a fazer uma coleta domiciliar.

Estou num momento sobrecarregado de escola, doutorado, viagens, dor de garganta, anemia. E esse “erro”, me vez voltar ao dia em que a Dra Mariana veio com uma carinha meiga dizendo que as plaquetas poderiam ter coagulado e que seria necessário repetir o exame.

Tudo que construí estava indo por água abaixo. Tudo que me sobrecarreguei para voltar a ter uma vida normal parecia estar desabando das minhas costas. Então busquei uma clínica que não tinha referência e peguei o resultado do novo hemograma sem blastos, ou seja, sem câncer. Só que a anemia estava se agravando.

E o fato de isso impedir meus planos que já eu estava construindo me fez lembrar que realmente não posso tirar meus pés do chão. E sim continuar a tratar meus sonhos como metas.  Cheguei em casa cansado, fisicamente por conta da anemia e mentalmente por conta das notícias que poderiam, de novo, estar interrompendo minha nova vida sobrecarregada.

Lembrar de tudo que passei poderia me jogar para baixo, talvez tenha jogado, mas como disse não vivos só de felicidade. Fiquei triste sim e fui lavar a louça acumulada, coloquei uma música e parece que o aleatório só vem com sofrência nessas horas. Acabei a louça, enxuguei as lágrimas e desliguei a música. As vezes caímos em pensamentos ruins, mas quanto antes levantamos mostramos para nossos medos quem está no comando.

Ter medo e ficar triste parece que andam de mãos dadas.  Nem todos os dias são ensolarados com pássaros cantando e baleias saltando, também temos dias tempestuosos. O câncer me ensinou a contar os dias sem câncer e ser grato mais um dia. Passei tirar leite de pedra em cada dia “normal”. Então os dias tristes passaram a ser curtos. Tenho meu dia de luto escutando “vento no litoral” bem alto para lavar a alma.

Na quinta-feira levantei junto com o sol e o dia tempestuoso já ficou para trás e ele deixou um arco-íris. Agradecer por mais um dia, por mais um detalhe, por mais um dia sobrecarregado, por mais um pássaro voando do meu lado a caminho da escola nos faz lembrar que é natural ficar triste.

Ainda não conheço ninguém que tenha vivido sem um dia de medo ou tristeza. Talvez o importante seja saber que eles sempre irão existir, mas só depende de nós saber quanto tempo ele vai durar. Com bons olhos podemos levar uma vida melhor, “o que leva da vida é a vida que se leva”.

Um passo de cada vez, para admirar a caminhada. É difícil demais prever o futuro, continuo dando passos no presente mesmo com a incerteza do amanhã. Afinal, o amanhã só pertence a Deus.

(Para os fortes que chegaram aqui… Escrevi esse post quando ainda estava internado, após o exame para ver o funcionamento da medula. O resultado saiu e a chance de uma recaída foi descartada. A medula não está produzindo bem e existem algumas teorias. Recebi uma bolsa de sangue, fui liberado para a viagem e já estou em Arraial novamente)