D1552 Crise dos 30
Quem nunca passou pela crise dos 30 anos, 40 anos, etc? Hoje voltando para Arraial e ainda meio nostálgico em relação ao meu aniversário fiquei lembrando dos meus 28, ou melhor, da metade dos meus 28. Já sentia o peso da crise dos 30, entretanto me sentia bem para a minha pouca idade. Estava realizado, ou pelo menos achava que estava, nos aspectos profissionais e pessoais.
Não via os 30 com um sinal de envelhecimento, mas sim de amadurecimento. Sempre fui um bon vivant. Sempre curti bastante a vida, talvez antes não tivesse a consciência que tenho hoje sobre meu passado. Sempre tive uma vida abençoada e talvez não tivesse dado o devido valor para tantas bênçãos.
Prefiro pensar que a vida foi me preparando para a segunda metade dos meus 28. Ainda não estava nos 30, mas precisava amadurecer em diversos aspectos além do profissional. Não posso dizer que eu não me amava, talvez não soubesse o real significado de amor próprio ainda.
E por que metade dos 28? Porque em julho desse ano descobri a leucemia. E após o diagnóstico para ser sincero nunca mais passei pela crise dos 30. Um grande pensador disse uma vez que só aprendemos quando sujamos as mãos de graxa. E a vida resolveu me dar uma lavagem completa de graxa.
O câncer veio para aflorar e amadurecer muitos pensamentos que antes nem passavam ela minha cabeça. E o “me amar” foi surgindo aos poucos. Parece estranho, mas mesmo com câncer entendi o que realmente compaixão queria dizer. Não pensava nas pessoas doentes, mas no sofrimento que as pessoas tinham por me ver sofre. Talvez esse tenha sido meu primeiro e real contato com a compaixão.
E como o “me amar” pode está relacionado com o sentir compaixão pelo próximo? Eu via todo dia, a cada visita, a cada olhar de amigos, familiares que eles sofriam por me amar. Sempre fui meio frio de emoções, até hoje para dar um abraço igual esses de filme que as pessoas estão morrendo de saudade ainda é difícil para mim.
Aprendi a me amar e ser a luz no fim do túnel para mim mesmo tentando deixar todos os medos e incertezas (ou certezas) de lado. Apesar de ser muito realista, nunca me permiti ser pessimista. E esconder alguns sentimentos de mim mesmo faziam com que eles fossem esquecidos. Então quando alguém chegava e me via bem ficava bem, logo eu ficava bem de novo (meio confuso, mas me confortava ver os outros bem).
Uma vez, li um livro durante o tratamento que tinha uma pergunta que dizia “se você morresse hoje, morreria feliz?”. Alguns já devem saber que um dos meus maiores aprendizados durante o tratamento foi que devemos viver um dia de cada vez. Cada dia a mais era importante. Viver ele como se fosse o último era importante.
O câncer muitas vezes me deixou sem direção, sem chão, sem ar, sem sonhos, sem expectativas. E talvez fosse isso que eu precisasse. Cortar meus laços com minha boa vida, o bon vivant que eu era para amadurecer e cair. Talvez não precisasse de uma queda tão grande assim para amadurecer. Newton, para descobrir a gravidade, precisou de uma maça madura. Minha vida parecia uma jaca caindo, pronta para explodir para eu aprender algo. Achava que tinha muito a perder, mas no fundo era só minha vida. (Digo “só” pois o resto eu ainda não tinha)
E então amadureci ao “perder” tudo o que eu não tinha e continuar com a vida. Passei a relaxar e entender que realmente é um dia de cada vez. Entendi que minha aventura duraria o tempo que tivesse que durar. E que cada dia seria mais um dia.
Refletindo na pergunta veio o valor e a contagem de cada dia extra de vida. E esse valor as vezes vinha expresso em pequenas coisas simbólicas como o bolo de cenoura com chocolate, o por do sol (seja na praia grande, na mureta da Urca ou em qualquer lugar). Cada conquista passou a ter um valor a mais. As muletas, o fim dos remédios, a mudança para o rio, os novos e velhos amigos (por ter a chance de ainda estar por perto) e por ai vai…
Me descobrir, me conhecer, me amar (por amar outros) foram alguns dos muitos aprendizados. Aprendi a seguir em frente sendo um pouco mais consciente, sem esperar muito do que estar por vir. Optei em celebrar essas pequenas conquistas ao invés de me preocupar com o chão e os sonhos perdidos, afinal nunca foram “meus”.
Meio confuso, mas consciente. Mais um dia, mais um ano…