D1500 Quem é você?
Já perdeu sua carteira? Aquela dor de cabeça de sempre,cancelar cartão, ir na delegacia e fazer um registro de extravio de documentos.Tem gente que nem esquenta muito a cabeça com isso e nem faz registro. Perder acarteira de identidade é sempre dor de cabeça.
Sempre digeri bem a maioria das minhas dores de cabeça do tratamento. Mas acho que no top3 de problemas que eu demorei para digerir foi a perda da identidade. Se a em papel é uma dor de cabeça, imagina a do espelho.
Perder a identidade… estamos tão habituados a acordar, nos olharmos no espelho e ver nosso cabelo bagunçado todas as manhãs. Até 2009 nunca havia raspado o cabelo. Durante esse período fui morar com meu irmão em Londres para viver uma experiência e histórias pois juntos tínhamos poucas.
Acho que o objetivo principal era dar meus primeiros voos fora das asas da minha família. Quando o dinheiro começou a apertar, virei uma ótima dona de casa. Fazia pesquisa de preços em 3 mercados, molho de tomate em um, macarrão e pão de forma no outro e Nutella no mais próximo lá de casa. Estranho que esses itens eram 90% do cardápio semanal. Mais estranho ainda era que o pote de Nutella saia mais barato que comprar queijo e presunto.
Voltando a raspar o cabelo. A grana estava tão curta que refleti que o preço de um corte era a comida de uma semana. Então fomos raspar a cabeça… foi uma sensação maravilhosa, nunca havia sentido o vento correr tão perto do coro cabeludo. Então entendi porque casacos tinham capuz, antigamente só serviam para bagunçar meu cabelo.
Desde então, passei a raspar por diversas vezes. Podia lavar a cabeça até com sabão. Então sobre perder o cabelo durante o tratamento não sou a pessoa mais apropriada para falar. Durante um período do tratamento, peguei um fungo no pulmão devido à baixa imunidade. Até descobrirem tomei um antibiótico que altera nossa cor. Passei para uma coloração morena, meio indiano e junto comecei a ficar careca de novo por conta das quimios.
Realmente ficar careca nunca me afetou, até me fez ver que ficarei bem quando ele cair de velhice. Sempre levei muita coisa na esportiva. Só que me olhar no espelho pela manhã e não me reconhecer por causa da coloração me incomodava. Estava bem magro, indiano, careca e de avental branco. Se colocasse um bigodinho e um óculos redondo era Gandhi.
Perdi minha identidade. Olhava e perguntava “quem é esse cara?” O médico prometia que a cor passaria, mas aquela sensação era péssima. Confiava no meu médico, mas ser paciente nem sempre é tão fácil, para Gandhi talvez fosse mais simples. Como ainda sou um humano, sentia. Junto com a fraqueza física, a mental parece que potencializa. Além de Gandhi no espelho não tinha como esquecer o Tio Chico (família adams). E da minha tristeza da perda de identidade, preferi rir.
Rir da desgraça dos outros é bom, quem nunca riu com uma vídeo-cassetada ou com o partoba? Mas rir da nossa nos conforta. O “rir para não chorar” começou a fazer sentido. E “se está no inferno, abraça o capeta” era a saída, que viessem as piadas. Aceitar que um dia iria passar demorou. Não quer dizer que o problema suma, mas que ele fica mais leve de se levar ele fica.
Nossa mente é mestre em nos pregas armadilhas, as vezes até pedras no caminho ela coloca. Perder a identidade realmente é um saco, mas quando nos enchemos de pensamentos ruins logo pela manhã ao nos olhar no espelho impedimos que os pensamentos bons floresçam.
Dizem que uma mentira contada 1000 vezes um dia vira verdade. Cada um tem seu grau de aceitação do problema que for. Mas se enganarmos nossa mente, com certeza a cruz ficará mais leve. Olhar tudo como um momento me ajudou a entender que um dia eu iria olhar para trás e dizer… “é, passou”.
E lembro quando eu disse isso. Ainda não tinha me dado conta que havia clareado tanto. Entrei no quarto de um amigo internado que tomou o mesmo remédio. E ele disse “nossa, você voltou ao normal, eu também vou ficar normal”. E terei a história que um dia fui confundido com Gandhi para contar para os meus netos.
Por problemas técnicos esse post ficou na gaveta por alguns dias e acabei refletindo um pouco mais sobre esse meu período. Acredito que alguns novos amigos que estão passando por isso me fizeram continuar com esse assunto na cabeça.
As vezes me sinto aquele tio que falava quando erámos jovens. “Se eu tivesse a cabeça de hoje com a idade de vocês”. Já dizia Raul que preferia ser aquela metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Aprendemos que viver é isso, passar por fases e transformações. Dizem também que “o tempo é o melhor remédio” e cura tudo. Então, usando de sabedorias populares, “o que é um peido para quem está cagado?”. É apenas uma fase difícil até darmos a descarga e deixarmos tudo para\ntrás.
Um dia o tio experiente irá te dizer: a melhor fase é sempre o presente. Seja o presente turbulento ou um mar de flores é aonde se vive de verdade. E a perda da sua identidade não signifique a perda da sua felicidade (falar é mais fácil do que sentir, mas confia).