D1481 Novos e velhos amigos
Quantos amigos você tem? E quantos amigos virtuais? O mais simples talvez fosse responder muitos. Lembro que assim que descobrimos a leucemia, ainda estávamos muito abalados e a minha maior preocupação era como dar a notícia para os meus avós. Aquela sensação de estar transmitindo tristeza para os outros realmente me consumia.
Assim que contaram para os meus avós, resolvi tornar público para meu ciclo de amigos. E no mundo da modernidade matei 600 coelhos com uma cajada só através do facebook. Logo fiz um pedido de doação de sangue, pois pacientes assim precisam de muitas bolsas de sangue durante o tratamento.
Alguns amigos do meu antigo colégio (Zaccaria) e outros amigos juntaram grupos de doação de sangue. Foi incrível a quantidade de bolsas de sangue e doadores de plaquetas que conseguimos. Aos poucos a notícia foi se espalhando e meu ciclo de amizades virtuais foi aumentando.
Por conta da minha vida pré leucemia, costumava me considerar uma “ilha”. Sempre curti muito minha solitude. Desde o tempo do estágio em Arraial que morava eu e o Thor (cachorro da minha tia) em São Pedro da Aldeia. Passando por 6 meses em Londres até a época dos embarques, que fiz poucos mas maravilhosos amigos.
E durante o tratamento segui a risca, continuava sendo uma “ilha” com meus pensamentos. Não queria passar preocupação e muito menos tristeza além do que já estava passando para meus amigos e familiares. E trouxe um hábito do navio para os embarques do hospital, passei a ouvir música para distrair a tristeza. Pegava o fone de ouvido, dizia que estava muito claro o quarto e me escondia no travesseiro. “E dizem que a solidão até que me cai bem”.
Não sei se afastava as pessoas de mim pelas mil coisas que se passavam na minha cabeça ou se apenas não deixava elas se aproximarem de mim. Acho que no final das contas dava no mesmo.
Um belo dia surgiu o Marquinhos na minha vida. Marquinhos tratava uma Leucemia também, só que lá em Curitiba. Foi a primeira pessoa que realmente consegui conversar de igual para igual. Finalmente achei alguém que me entendia. Trocávamos figurinhas e experiências internados, séries, livros, músicas. Ele foi um cara sensacional, o cara treinava pesado no quarto e eu fingia que dormia para não fazer fisioterapia. Hoje o Marquinhos não está mais entre a gente, se tornou uma estrela e está lá olhando por nós. Foi meu primeiro amigo “oncológico”.
Depois do Marquinhos, conheci outros pacientes oncológicos virtuais. E em SP, fiz amigos oncológicos reais. De uma “ilha” passamos a ser um “arquipélago” falando o mesmo dialeto. E depois de um tempo no tratamento passamos a entender que cada um trás uma bagagem fantástica. Não apenas pacientes oncológicos mas enfermeiros, médicos, fisios, amigos e futuros amigos.
Talvez o assunto oncológico fique restrito ao arquipélago hospitalar. Mas como embaixador da minha “ilha”, fui descobrindo histórias fantásticas e aprendendo com elas. Talvez por isso os idosos nas tribos indígenas sejam tão valorizados por trazerem tantas histórias consigo.
Podemos aprender e crescer com cada nova e velha amizade, aonde cada um perceba a vida de uma forma diferente e isso nos torna únicos. Somos aprendizes da vida, estamos sempre nos transformando e crescendo, vivenciando novidades a cada dia. E assim como na sala de aula, aprendemos com exemplos. Acredito que todos nós lembramos de algum exemplo sobre uma matéria da época de escola. E assim o aprendizado ficou guardado em nossas mentes.
Ao pararmos nossa vida para o tratamento, somos “obrigados” a olhar por nós. No dia-a-dia geralmente não temos tantos momentos tão nossos. E quando passamos a nos conhecer melhor fica mais fácil de ir aterrando os mares que nos isolam dos outros.
(Um parênteses grande! esse isolamento era um problema meu. Não acho que ninguém precise passar por nada parecido para entender um pouco mais sobre si e seus defeitos. Se dedicarmos um pouco de tempo a nos conhecer melhor. Acredito que o retorno será semelhante.)
Retomando… O aprendizado da vida segue um caminho semelhante ao da escola. Quando nos cercamos de bons exemplos, aprendemos e nos inspiramos muito mais do que sozinhos. O Marquinhos abriu a porta para que eu entendesse como cada pessoa pode nos ensinar tanto.
Abrir um pouco dos meus pensamentos com vocês tem me possibilitado conhecer tantas histórias interessantes. Em um ano conheci as meninas superpoderosas do Oncoguia cada uma com uma história diferente e única. Esses dias pelo instagram, conheci um pai doador de medula super feliz com o resultado do TMO de seu filho e o André do “caçadores de medula” que a medula pegou esses dias. Em SP pude conhecer a Aline (foto) que internou hoje para seu TMO por conta de uma anemia falciforme. Além de outras histórias sem o tema oncologia.
E seria possível tantas histórias diferentes e únicas terem algo em comum? Elas estavam presentes o tempo todo na vida delas. Quando aceitamos nossas fraquezas, elas são facilmente combatidas. Ficamos mais preparados para aceitar o que vier, da forma que vier. E isso no fim é o mais importante.
E assim como o exemplo de sala de aula, cada pessoa ao meu redor se tornou um exemplo. E de uma ilha, passamos a ser um arquipélago e em breve um continente de inspiração e motivação. Queria usar o termo “Pangeia”, mas acho que nenhum professor da escola deu um exemplo bom o suficiente para vocês se lembrarem do que isso é.
Hoje dedico esse post a todos os meus amigos, familiares e conhecidos. Pacientes ou não, que em algum momento me ensinaram ou ensinam até hoje valiosas lições. E que a cada dia aterram mais os mares ao redor da minha “ilha” me permitindo conversar um pouco com vocês. Ainda estou aprendendo a navegar com a ajuda de vocês…
Obrigado por sempre me ensinarem que eu não estava sozinho mesmo com minha solitude… “Se fiz descobertas valiosas, foi mais por ser paciente do que qualquer outro talento” (Isaac Newton 1643-1727). “Você não está sozinho”!
(sem revisão, se tiver erro me fale)
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