D1472 Lapidando diamantes

D1472 Lapidando diamantes

9 de março de 2019 2 Por Daniel Campbell

Às vezes me perguntam se eu me incomodo de falar sobre meu passado. E às vezes acho que falo demais dele. Sei que para alguns é difícil demais falar sobre câncer. Então vamos falar de algo leve, poemas…

“No meio do caminho tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

Tinha uma pedra

No meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento

Na vida de minhas retinas tão fatigadas

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra.” (Carlos Drummond de Andrade)

E nesse caminho de grandes pedras para atravessar é que começa a minha história de paciente oncológico. No início a pedra parece que foi arremessada na nossa cara, receber a notícia é uma pedrada. Talvez uma pedrada fosse até melhor para ser sincero.

Hoje posso falar como uma pessoa curada. Livre do aquário e da gaiola das internações, mas nem sempre foi assim. O primeiro impacto da notícia, as internações gigantescas, era o princípio do fim. Fiquei os primeiros dias no CTI e mais alguns meses com aquela sensação entalada de que minha vida havia parado num buraco do tempo.

Demorei para digerir e aceitar que não é o câncer que aprisiona a gente, mas sim o medo.  Foi difícil de aprender isso, mas a cada visita, cada gesto de carinho que a gente recebe naquele momento é maior que qualquer pedra. Afinal dizem que “O amor move montanhas” e também pacientes oncológicos… e com tanto sentimento envolvido passamos a lutar com amor.

Sempre fui daqueles que “paga um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair”. O meu orgulho acabou falando falou alto nesse momento também. Com aquela corrente de doação de sangue, familiares, amigos… todos preocupados com o futuro das coisas. Como decepcionar tantos sem lutar? Dizem que a esperança é a última que morre. Então, ainda havia muita coisa para acontecer antes da esperança morrer.

Não existe expressão melhor do amor que um sorriso, quando amamos ficamos sorridente, né? E levar minhas dores com brincadeiras e piadas foi a forma que eu consegui sorrir de volta. De sério já basta o câncer, o paciente pode rir também.

Começamos a celebrar cada conquista mínima. Dos contrabandos que as visitas traziam até quando pegam a veia de primeira. Essa felicidade nas pequenas coisas é que vão moldando nossos olhares em relação ao tratamento. Tudo que recebemos (comestível ou sentimental) passa a ser algo que nos maravilha. Quando passamos a ser conscientes do que vivemos naquela situação, aflora essa inocência semelhante de criança que fica feliz com um balão de ar, sábias que não levam a vida tão a sério assim…

Não foi fácil abrir mão de muita coisa. Principalmente do medo sobre o amanhã. Durante o tratamento vivemos muito entre a cruz e a espada. Sem perceber no início, hesitei e realmente permiti que o medo do câncer parasse o tempo da minha vida.

Aceitar o problema não é se entregar. Quando aceitei a doença abandonei o estigma de que iria morrer. Passei a encarar como 50%, ou dava certo ou não dava e assim a cruz acabou ficando mais leve. Os vidros do aquário nunca estiveram na janela do hospital. E mesmo internado passamos a entender que não existe aquário maior que o mar. Dizem que “a mares na vida que vem para o bem”, (a)mar…

Passei a entender que a vida só tinha escolhido um caminho “off road” a seguir. Era ali que eu deveria estar, as dúvidas e aquele famoso questionamento “e se…?” foram sumindo. “Água mole pedra dura…” E assim como as montanhas são esculpidas pelas ondas fortes do mar, as pedradas da vida também nos moldam. Elas passam a lapidar nossos pensamentos para manter apenas os mais preciosos.  

Sim, talvez eu fale demais sobre o tratamento sem ressentimento. Quando aceitamos o que estamos vivendo, a cura vem a cavalo. Não a cura do câncer, mas a cura da nossa mente que fez com que parássemos nossas vidas. Agora sei que minha vida nunca parou, apenas seguiu um caminho de pedras.

Parecia uma parede de escalada no início. E se o caminho for uma parede de escalada? talvez as pedras no caminho que nos ajudem a chegar até o cume. Pratique mudar a perspectiva de como encarar os problemas na sua vida…

Hoje serão duas músicas para agradar a diversidade de gostos, mas eu escutaria as duas…

OBS: Sem revisão e foto de 2011 (sim, estou conservado, obrigado)