D1470 “eu quero é botar meu bloco na rua”
Ah, o carnaval… Dizem que “quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé”. Sempre adorei o carnaval, a farra, a festa da carne. Seguia vários blocos, na verdade preferia ir na frente deles. Sou da época em que o bloco do Sargento Pimenta ainda era na Visconde de Caravelas. Histórias de carnaval, ou você tem, ou não é carioca.
Em 2014, estava saindo do meu primeiro tratamento da leucemia. Dra Patrícia me deu alta no fim de dezembro e disse que eu só poderia surfar depois de 1 mês de academia para recuperar a massa muscular perdida. E como era só para recuperar a massa muscular, óbvio que não obedeci.
Peguei a prancha e fui surfar com 2 amigos de infância como se não houvesse amanhã, e o amanhã chegou, junto com as dores musculares e passou a ser o hoje daquele dia. E novamente vivi aquele dia como se não houvesse amanhã e voltei para a água mesmo cansado com eles. E fui vivendo assim, como se não houvesse amanhã até o carnaval daquele ano.
Um pouco antes de sair do hospital a Dra me contou que meu tipo de leucemia tinha grandes chances de voltar. Já em janeiro, entrei para a academia essa idéia passou a me perseguir. Comecei a correr na esteira (na época ainda não tinha o problema do fêmur) e quando sentia aquela dor muscular na batata da perna não me permitia parar, por algumas vezes me emocionava (chorar de homens) correndo…
Aquela sensação do câncer ser uma sombra estava ali comigo todo dia. Era minha sombra, e não me deixava descansar com medo do amanhã. Precisava estar pronto para esse amanhã que eu não queria que chegasse.
E chegamos no carnaval de 2014, eu e meu fiel escudeiro nos blocos. Até bloco de sertanejo fomos, voltávamos caminhando (ou pedalando) de 4 a 8km conversando e rindo até nossas casas. Com certeza as caminhadas eram mais divertidas que os próprios blocos.
Hoje já posso falar sem a Dra brigar. Ela limitou minha cerveja para 2 latinhas por semana e durante o carnaval bebi por uns 2 meses. Até que para um carnaval em pleno verão carioca, 15 latinhas para muita gente não dariam nem para o primeiro dia. Afinal, cada dia poderia ser o último…
Lembro bem quando essa sensação de ser o último dia surgiu. Logo na primeira alta em 2013, eu quis fazer tudo que a internação havia me privado pois talvez fosse a última vez. E a maratona de bolos de cenoura com chocolate começava ali. As coisas que me davam prazer tinham que ser feitas para ontem…
Em abril de 2014, veio a primeira recaída. E junto com o primeiro desabafo por aqui. Por mais que eu soubesse que a chance era alta, não estava preparado para perder o chão de novo. Tinha vivido todos os dias como se fossem os últimos, mas ainda não estava pronto para ter meu último. Receber o diagnóstico mesmo que pela segunda vez foi como uma sentença de morte novamente.
Internei em SP, assisti a copa do mundo internado para o Transplante (TMO). Copa do mundo tem seu tom de carnaval, basta trocar o bloco por um telão com jogo do Brasil e aquela festa na rua acontece… agora imagina com a Copa do mundo no Brasil, deve se igualar a ver a festa da Sapucaí.
Sai da festa da carne para um aquário com uma janela. Aceitei bem o fato de não participar da festa da copa. Mesmo em SP recebi bastante visitas dos meus amigos. Acabei ficando em SP por dois anos. Durante um dos carnavais lá, estava indo para a casa de uma amiga e escutei um bloco de longe, resolvi me aventurar pois a bateria do bloco mesmo distante já estava me arrepiando, aquela nostalgia no ar…
Ainda estava me recuperando, mas mesmo assim fui me aproximando. Fiquei lembrando do meu Carnaval de 2014. Só que ali estava sozinho, não era a mesma coisa. Curti de longe por uns 10 minutos o som da bateria e voltei para o meu trajeto.
Não pensei em muitas filosofias de vida para contar, apenas vim matar a saudade de um dos melhores carnavais que já tive, aonde realmente vivi como se não houvesse amanhã. Sempre tive muito medo do câncer voltar lá no início. O problema é que esse medo me dominava.
Hoje esse medo não foi esquecido, só que aprendi que qualquer um pode ficar doente a qualquer momento. A diferença é que hoje conheço bem meus medos a ponto de não me abalarem. Passei a usar a psicologia reversa para que o medo de um dia voltar, as fisgadas do fêmur, os problemas de rejeição e a incerteza do último dia sirvam de combustível para fazer cada dia valer muito a pena.
Como diria Marta Suplicy, “relaxa e goza”. Entender que o momento é sempre o agora foi fundamental para conseguir viver sem a sombra do câncer. “O que se leva da vida é a vida que se leva” e quem levamos para a vida…
Descobri depois que a foto era de 2013, mas o que vale é a intenção hehe (sem revisão)
Ou voce nao tem… ou tem história na praia de Ipanema pra contar para os bisnetos! Hahahah
Deixa para contar quando o bisavô morrer, gracinha!