D1437 “Continue a nadar”

D1437 “Continue a nadar”

2 de fevereiro de 2019 0 Por Daniel Campbell

Difícil ser desapegado no mundo atual. Você se considera uma pessoa apega? Dependente de algo, ou alguém? Temos tantas coisas legais para usufruir e aproveitar as comodidades do mundo moderno. E quando essa dependência começa a nos atrapalhar? Qual o limiar entre necessidade e dependência?

Há aproximadamente 4 anos, fiz o meu segundo transplante de medula óssea. O doador foi meu pai. Ele é 50% compatível e minha mãe é minha outra metade. Arriscamos com ele mesmo sabendo dos riscos da falta de compatibilidade, por isso o ideal é sempre o 100% compatível. Só que quem “não tem cão caça com gato”.

Depois de um tempo a rejeição se manifestou. Vocês devem se lembrar da minha pele de jacaré. E por conta disso tomei muitos corticoides na época. Os corticoides são um santo remédio, só que causam efeitos colaterais como a necrose dos ossos. E aconteceu comigo… na cabeça dos fêmures, por isso uso muletas. A cabeça do fêmur fica parecendo uma casca de ovo, podendo afundar com impacto.

Em novembro, tentei dar um passo maior que a perna quando tentei embarcar em navio novamente. Já estava quase tudo certo e me negaram no curso por eu usar muletas. Resolvi que queria operar. Colocar uma prótese da cabeça do fêmur. Já eram praticamente 2 anos de muleta. Já tinha dado, já havia sido paciente.

Passaram os dias e aquele impulso foi embora. E depois de conversas com meu ortopedista e com o fisio comecei a me questionar se era uma necessidade ou uma dependência na minha vida. 2 anos usando muleta, eu era um quadrupede.

Hoje acabei com minha dependência. Já estava planejando isso para esse ano. Hoje resolvi ir para a academia pela primeira vez sem meu vício. Detalhe, é no segundo andar. Fui pedalar de rotina, cheguei lá e pisei no chão. O fêmur estava sensível e já senti falta da muleta. Meio manco cheguei na escada.

Escada sem muleta, tem corrimão. Por que não tentar? “O não já temos”. Subi e parei na metade. A dor não é constante. São fisgadas que me deixam sem força. Acho que meu medo me faz não ter forças para não forçar. Sabe aquele medo que te paralisa? Talvez não. Só que minha perna falha para subir e colocar força no degrau sem eu ter um apoio.

E após dias pedalando, treinando e finalmente surfando em pé essa dependência que me limitava foi deixada de lado. Cheguei no cume no Everest, olhei para o professor que foi um dos motivadores. Foi a primeira pessoa que vi na recepção da academia e falei “está sentindo falta de algo?”. Comecei a caminhar na esteira, incomodando no início mas depois pegou no tranco. Foram 15 bons minutos…

Ok… 14:56

Quando me perguntavam se minha vida tinha voltado a ser normal depois do câncer eu já respondia meio conformado… “sim, tudo normal. Só a muleta que ficou”. Conformado e acostumado com elas. Minhas seguranças para subir um degrau, um meio fio. Só que por causa delas eu estava abrindo mão sem tentar das coisas que antes do câncer eram minhas favoritas.

A vida está se refazendo de uma forma diferente em função das velhas paixões que me forçam a sair do meu conforto. A cada dia, cada conquista o passado vai ficando para trás. Quando me perguntam se eu surfo, agora respondo “sim”. Antes eu precisava responder “Não, por causa das muletas”.

Meu fêmur continua uma casca de ovo, mas estar confiante e preparado (sob orientações corretas) me fez dar o primeiro passo para as velhas paixões. Minha dependência pelo mar falou mais alto. Todo o apoio através das orientações e motivações de todos envolvidos me permitiram dar esse salto do ninho.

Nada melhor contra o pessimismo que a confiança. Talvez não seja orgulho como falei antes, talvez seja apenas confiança a palavra correta. Estou no caminho certo, sei que ainda preciso tirar algumas pedras do caminho, e a cada passo sem muleta vou retirando as pedras. Ser guiado pela confiança e desbravar novos mares contrariando as expectativas do meu passado.

“Adotando uma mente positiva, nossa resiliência aumenta e com isso nossa capacidade de explorar o mundo”. Mais um passo foi dado, o primeiro sem a muleta. Já estou olhando o degrau mais acima, só que um passo de cada vez.

Aprender que a “coragem nem sempre é um rugido de leões. Às vezes é o coração no fim do dia dizendo: amanhã vou tentar novamente”. Liberte-se da cova dos leões. ASS: Daniel