D1144 rir! por que chorar?
Retornando dos exames anuais de rotina. Dessa vez Dr. Hemato pediu punção da medula para fazer o quimerismo. Ainda estamos aguardando o resultado. Os 25 exames de sangue que ele pediu estão em ordem. O resultado parcial dos exames da medula está ótimo, não espero que seja diferente com o quimerismo. O fêmur? O de sempre… A pele está cada dia melhor. Contudo, ainda coça em alguns momentos. A Dra. Dermato acredita que em junho deva diminuir as sessões de banho de uvB.
Sempre comento que apesar dos pesares não escolheria outra vida. Sei que o câncer destrói vidas, famílias, planos, sonhos, esperanças e as vezes até a fé no futuro. É bem difícil falar sobre não querer ter vivido outra vida e ser bem interpretado. Também tive muitos sonhos destruídos até aprender a viver com o meu presente.
Quando eu digo que não mudaria o que vivi é porque depois de tantas pedras no caminho construí uma vida completamente diferente de algo que eu poderia ter vivido. Talvez tivesse sido melhor? Nunca saberemos. Pode ser que nem durasse tanto quanto a vida atual, afinal moro no Rio de Janeiro.
Cada pedra no caminho, cada cicatriz no corpo e na mente por causa do tratamento, cada sequela, cada coisa única que aconteceu durante nesse período moldou um novo eu. Agregar cada acontecimento novo e saber colher apenas os bons frutos foi uma das maiores lições aprendidas. A vida foi dura eu sei, mas também foi muito boa em colocar tantas lições para continuar essa jornada com mais bagagem.
Hoje quando penso na doença quase sempre me lembro dos bons momentos. Quando fui morar em SP, meu pensamento era de me apegar o mínimo possível pois não queria levar para a vida a lembrança de tanto sofrimento. Minha mala era para 3 meses e tinha apenas 3 cuecas e 3 bermudas (usaria os dois lados e domingo de roupão). Mas como sempre as coisas não acontecem como o planejado. Reclamava a cada negativa da chance de voltar para o Rio, afinal sou um inconformado ser humano igual a todos. “Ninguém disse que seria fácil”.
Conversei sobre desacelerar esses dias com um conhecido. Esse período do tratamento me ensinou a observar não só as coisas simples a minha volta mas observar a vida. Um espectador com uma visão holística (adoro essa palavra).
Dizem que “a tartaruga conhece a estrada melhor que a lebre”. Há algum tempo atrás, minha vida e acredito que de muitos também já foi corrida. Quando parei para tirar as pedras do caminho pude respirar e apreciar as coisas belas que aconteciam junto com todo o sofrimento do tratamento. É injusto colocar numa balança. Sei que muitos que estão nessa luta perderam ou abriram mão de coisas por conta do tratamento que não tem preço. Assim como também perdi coisas que muitos desconhecem.
Descobri depois do tratamento da primeira leucemia que havia ficado estéril. Um dos meus maiores desejos era ter uma dupla de moleques para levar para surfar as “ondas sem espuma” lá no fundo como meu pai fazia comigo. O segundo exame de fertilidade só me fez ter mais certeza que não devo me iludir mais com isso e confesso que já estou muito bem resolvido com esse assunto. Adotar sempre me soou interessante. Notícias como essa são duras e difíceis de digerir. Por isso quando parei para pegar as pedras no caminho preferi olhar para os outros ao invés de me preocupar em tanto com as pedras.
Durante essa viagem reencontrei amigos de internação. Até hoje contamos casos e acasos do tratamento. E ao olhar para todos novamente me faz esquecer de qualquer pedra. Com eles aprendi a tirar muitas pedras do caminho. A estrada ficou muito mais leve de se viver. “Devagar se vai ao longe”, né? As sequelas que vieram de brinde são as incertezas que não planejei. Mas conhecer cada um deles também não estava no roteiro. Conquistas como essa fizeram esses 1144 dias serem muito bem vividos.
Foram muitas feridas que aos poucos vamos fechando. E essa receptividade (ou amor para os mais poéticos) entre amigos, familiares, conhecidos ajuda a fazer com esse sofrimento se dissolva com o tempo. Quando aceitamos o que passou e viramos a página compreendemos que na página seguinte existe um milhão de possibilidades para ser escrita. E as feridas se tornarão cicatrizes que já não nos incomodam mais.
Sobre ser estéril: talvez tenha assustado. Tenho total consciência dessa cicatriz e posso dizer que está muito bem resolvida. Não costumo pensar mais nisso. Mas hoje resolvi contar um pouco além do meu normal para dividir com vocês e informar. Poucos sabem que o tratamento pode trazer essa consequência. Quando tudo era novo e estávamos desesperados isso não passou na nossa cabeça. Não guardei meus filhotes antes da primeira quimio. Se um dia acontecer algo com alguém próximo (espero que não) lembre disso. É uma cicatriz pequena para quem está vivo, mas é uma cicatriz que não precisa ser aberta.
Repetida eu sei… mas me “encontrei”… rir! por que chorar?