D1049 Eu e minha tábua de passar

D1049 Eu e minha tábua de passar

10 de janeiro de 2018 4 Por Daniel Campbell

Bom dia amigos, queria compartilhar um pouco do meu trajeto até o dia de hoje com vocês. Talvez compartilhar também um pouco do que estou sentindo. Como muitos sabem em 2013 minha vida tomou um rumo completamente inesperado. Descobri a leucemia na minha vida, mas a parte triste vou pular. Foram 3 leucemias, dois transplantes, necrose óssea, rejeição da medula, muitas pneumonias, internações, unha encravada, sarna (2x) e afins.

Tudo foi muito difícil sem dúvidas. Junto com o tratamento desses probleminhas de saúde vieram algumas restrições. O que me mata é que as restrições que surgem na nossa vida são sempre de coisas que somos apaixonados ou gostamos demais. Proibir banho gelado no inverno ninguém proíbe. Sempre levei uma vida boemia nos desembarques do navio, gostava de tomar uma cervejinha com amigos as vezes. Essa foi a primeira restrição que tive que conviver por 4,5 anos. As viagens foram limitadas para lugares próximos e por tempo curto, pois se alguma coisa ocorresse eu teria que voltar correndo. O camarão (como sofri com essa restrição) foram 4,5 anos também sem sentir o gosto, só o cheiro. Cachoeira, nem pensar!!! Fui liberado tem poucos meses também. Só que cachoeira eu burlei a regra, sempre fui um paciente exemplar e muito paciente com as restrições. Mas estava um calor e olhar aquela água caindo me distraiu. Acabei tropeçando e caindo dentro dela.

Sem sombra de dúvidas a pior de todas as restrições foi ter que ficar sem ir à praia. Para quem me conhece é compreensível. Fui criado na beira da praia. Tinha uma prancha de tartaruga azul já desde novinho, meu pai me levava para surfar e lembro exatamente de pedir “pai, quero onda sem espuma” e lá ia ele nadando e me levando para o fundo para me jogar nas ondas gordas do Verão. O Denis, enfermeiro da minha primeira internação me zoava, pois depois de 3 meses tomando quimio sem pegar sol eu ainda estava queimado de praia. Antes da doença me formei em biologia e trabalhava em alto mar 35 dias seguidos. Acredito que de para ter uma ideia do quanto essa maresia toda está na minha vida. Fui muito paciente com essa restrição, sabia que um dia retornaria ao mar. Cada data adiada era uma frustração até o dia que me cansei de ficar triste. E sabia que esse dia chegaria. Nunca fui santo, coloquei os pés na água sim. Somente os pés.

Mês passado meu hematologista disse que minha imunidade está retornando ao normal. E que por ele eu poderia entrar na água, mas dependia da dermatologista por conta da minha rejeição de pele. Nesse ano novo, durante a consulta arrisquei perguntar. Para ser sincero em toda a consulta é a minha única pergunta. Sou daqueles que “água mole pedra dura”… Fazia cara de cão sem dono, mas nunca funcionava para praia. E para minha surpresa dessa vez ela liberou. Sai do consultório em êxtase. Não sei explicar bem a sensação. Era uma explosão de felicidade que eu não conseguia saber o que fazer. Se eu ria, se sorria, se respirava, se lacrimejava.

Estava sozinho, não tinha com quem dividir aquilo que simbolizava tanto para mim. Cheguei em casa e contei para meus pais. Contei para alguns amigos e já comecei a ver o que eu tinha para voltar a surfar em casa. Há 4 anos e meio vinha me programando para esse retorno ao mar. Só que a euforia era tanta que nada que eu me programei deu tempo de fazer. Não esperava ser liberado assim do nada. Já estava preparado para o quinquagésimo sétimo “Não”.

Confesso que admiro muito quem sabe guardar segredo. Juro que queria fazer uma surpresa e contar apenas depois do primeiro mergulho. Mas sabe quando a felicidade transborda? E começar a contar aos pouquinhos para alguns gerava uma reação tão boa. Todos vibravam comigo. Ao mesmo tempo alguns também custavam a acreditar e quando acreditavam pareciam se emocionar assim como aconteceu comigo saindo do consultório.

Do diagnóstico até agora foram uma coleção de datas. Dos diagnósticos, dos transplantes, dos dias contados. Dizem que para ser considerado “curado” pela medicina precisa ficar 5 anos sem ter câncer. Mas confesso que nunca pensei nesses 5 anos. Minha meta era a praia. E chegou o dia. (Até agora ainda não entrei no mar, continua…)

Cenas do próximo capítulo:

 

Foram muitos aprendizados durante o tratamento. “Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro por reflexão, que é o mais nobre; segundo por imitação, que é o mais fácil; e o terceiro, por experiência que é o mais amargo”. Esse pensamento de Confúcio (551 a.C. – 479 a.C) enobrece bastante minha experiência da internação.

Mas a sabedoria adquirida no dia de hoje foge a terceira regra. Hoje ao experimentar talvez um dos momentos mais felizes da minha vida aprendi que realmente a felicidade é contagiante. Minha felicidade está tão grande que as pessoas a minha volta estão tão felizes quanto eu pela minha felicidade (talvez até Confúcio ficaria confuso). É a segunda vez desde o diagnóstico que sinto na pele o desejo em massa do meu bem. No meu primeiro pedido de doação de sangue, a força e vibração de vocês me deu paz na alma para seguir em frente.

Hoje estar tão feliz e sentir a felicidade de todos por conseguir superar e alcançar esse momento tão esperado na minha vida é a prova que vibramos todos na mesma sintonia. Serei eternamente grato pela vibração de todos vocês para que eu conseguisse encontrar minha felicidade.

Pediram para não ser minha despedida, então vamos manter segredo…

Sem revisão (se você chegou até aqui e viu algum erro me avise).