D tempo ao tempo (D966)

D tempo ao tempo (D966)

19 de outubro de 2017 1 Por Daniel Campbell

Bom dia amigos,

Sei que ando ausente demais com as notícias. Para quem ainda acompanha por aqui vou atualizar um pouco. A pele cada dia melhora mais, bem lentamente mas está melhorando. Minha cabeça é reflexo disso. Já tinha aposentado as camisas pretas que me emagrecem mas agora voltei a usar pois a pele morta descamando (vulgo caspa) já diminuiu demais. A sessão do bronzeamento que era 4 minutos lá no início hoje já são 11. Estou analisando e negociando uma televisão para eu assistir minhas séries dentro da cabine. O fêmur… esse está triste. Sinto mais fisgadas que antes. Para pedalar na bike tenho que me concentrar para pedalar sem mover o quadril evitando as fisgadas. Ainda preciso emagrecer para aliviar, mas cada dia que passa acho que vou chegando mais perto de colocar uma prótese. Mas já dizia meu avô, “o que não tem remédio remediado está”.

Comecei a escrever no início da semana e algumas coisas aconteceram de lá até o dia de hoje. Estou meio febril e com dores no corpo. Já passei pelo hospital ontem para alguns exames, estou medicado e me recuperando. Tinha me programado para escreve esse post de uma maneira mas a cada dia que passa aprendo e assimilo que no fim diversas coisas fogem do nosso controle. E o que nos resta é saber aceitar o que nos é oferecido no momento tentando sempre buscar algo positivo. Esse post está sendo parcelado.

Não se assustem, pois falarei um pouco de morte. Sei que é um assunto delicado para muitos, mas como dizem por aí, é a única certeza da vida. Não estou pensando que vou morrer tão cedo, pelo contrário. Mas essa vivência de hospitais nos traz outro ponto de vista sobre esse assunto. Até minha doença eu nunca havia passado por nada que me fizesse ter enfrentado a morte tão de perto. Nem osso eu quebrei na vida, tenho minha adolescência frustrada porque não tive gesso para meus amigos assinarem e desenharem.

Quando eu era mais novo não tinha tempo ruim, sempre me achei de ferro. Entrava em mar de ressaca para surfar, aprontava de bicicleta (acumulei alguns tombos na vida), entre outras. E fui crescendo e essa sensação da morte estar distante continuava. Planejava meu futuro, minha carreira, meu sonho de família. Coisas de uma pessoa normal.

Só que essa vivência do tratamento e talvez o envelhecimento me fizeram começar a ver a vida de outra forma. Talvez ver a morte de outra forma me fez olhar com outros olhos para a vida. Posso dizer que despertei um pouco dos meus sonhos.

Lembro do dia em que comecei a me abrir com vocês por aqui. Era abril de 2014, na primeira recaída da leucemia. Lembro também do que escrevia, de como minha vida estava voltando ao normal depois de 6 meses em remissão da doença. Ali meus sonhos de carreira, de constituir uma família e aqueles sonhos padrões estavam saindo da minha vida. Fui consolado por muito de vocês que me deram força para aguentar o que estava por vir.

A sensação de perder o chão é avassaladora. Quando digo perder o chão é realmente perder o chão, o ar, os sonhos. Não estava preparado para isso. E nessas horas que a gente amadurece algumas ideias. Essa sombra do câncer que nos rodeia me fez entender que talvez o amanhã não exista (amanhã=futuro).

É um choque de realidade que muitos podem olhar como pessimismo, mas para quem me conhece bem sabe que eu sou muito realista sobre essas coisas. Nunca deixei de sonhar, mas aqueles sonhos a longo prazo já não existem. Ficamos calejados de sustos e de perda de planos tantas vezes que cansamos de perder o chão, os sonhos. Então passamos a olhar para o hoje. Não que esteja olhando para o passado com medo do câncer voltar, por mais que eu tenha falado da sombra dele. Só que coisas acontecem que fogem do nosso controle.

O hoje passou a ser muito mais interessante que o amanhã. Esse conhecimento e mudança de olhar sobre o tempo mudou demais minha maneira de olhar as coisas. Sei que o tempo é valioso para todos nós. E após esse tempo todo me tornei mais confiante, por mais que ainda existam medos. A ausência dos planos a longo prazo me permitiram ser mais forte para encarar a realidade. Hoje não tenho mais chão para perder. Talvez por isso alguns já tenham observado que as vezes me testo. Sou inseguro sim, quando vem uma febre não nego que lá trás não passa nem vento. Mas o que “não mata, fortalece”.

Vivendo o hoje no meu tempo…

Música que me fazia pensar muito nos embarques do navio e nos embarques do hospital…