D quarentena 1857
Quarentena? Talvez você já esteja cansado dela, assim como praticamente todos. Como paciente oncológico o termo isolamento não é tão novidade quanto para o resto da humanidade. A sociedade parece estar meio louca com o confinamento e digo isso porque tenho o instagram e só observo. Receitas de bolos, exercícios de diversos graus de dificuldade e excentricidade, reuniões por vídeo conferência com temas sobre trabalho até fofocas do BBB.
Esse isolamento comunitário é bem mais interessante de se viver do que o isolamento que fiz em alguns períodos dos tratamentos das leucemias e atual mielodisplasia. Meu histórico de isolamento social já vem desde antes do smartphone, passando pelo período do embarque. Daí veio o tratamento… era isolamento real, quem me visitava não podia nem cumprimentar com 2 beijinhos ou um abraço. Dizem que o pessoal de SP trabalha tanto que só tem tempo para 1 beijinho…
Minha mãe era meu cão de guarda mantendo as pessoas afastadas a uma distância segura. O termo assintomático já é velho conhecido nosso. Para não surtar assisti até vale a pena ver de novo e estava passando “Chocolate com pimenta”. Como é engraçado o poder que as novelas tem sobre a gente, assistimos uma semana e já vicia.
Na época o instagram não tinha esses recursos de hoje, mas já existia o tinder. Perdia algumas horas do dia chavecando da cama do hospital. Lia livros, jogava videogame, via as maritacas voando pela janela… e acreditem, era uma um período histórico aonde não existia Netflix.
O mundo continuava a todo vapor, pessoas trabalhando ou estudando com suas rotinas. E eu assistia tudo pela janela. Meus fiéis escudeiros (Lu e leo) de embarque seguindo com suas vidas do ponto em que eu pensava que a minha havia sido interrompida. Era um tanto quanto reconfortante ver cada conquista deles e de quem eu gostava.
Só que no início me incomodava aquele ponto parecia o ponto final na minha vida. Estava abrindo mão de todos os meus planos e muitos eram com eles, todas as coisas que eu gostava de fazer. Viagens planejadas, embarcar, jogar bola, pegar onda, fora os sonhos a longo prazo. Tudo parava nesse ponto final. Era uma mistura de melancolia com saudade.
Os dias isolados foram passando e a gente entende como essas frases cotidianas são reais. E realmente “Cabeça vazia é oficina do Diabo”. O desconhecido sempre nos assusta e é nessa hora que lá atrás aperta. Vem a dúvida de como será amanhã, mês que vem. Será que teremos ano que vem?
Antes disso tudo nunca havia passado na minha cabeça a ausência da certeza do amanhã. Parece ser triste achar que estamos nos perdendo da nossa realidade, né? Meus períodos isolados antes do tratamento nunca me colocaram na dúvida sobre o amanhã (futuro para quem preferir). E estar lá no workshop com o Diabo pensando na ausência do futuro que me fez pensar mais sobre o presente.
Sempre me perguntam sobre o que eu mais aprendi com isso tudo e talvez valorizar mais o presente seja uma delas. Entender que a vida não é apenas uma linha reta entre o nascimento e a morte é uma tarefa difícil. Vivemos em ciclos, de altos e baixos. São fases que sempre vem e vão durante essa caminhada até nosso ponto final que para muitos é uma reticência.
Aonde quero chegar com esse texto? Sei lá, talvez nem eu saiba bem. Mas como bom conhecedor de isolamentos e quarentenas acredito que a maioria esteja também nessa oficina cheia de incertezas.
Está mais que entendido que o que vivemos não é uma gripezinha. Escuto meus amigos da área de saúde e percebemos que não sabemos muito o que está por vir. E durante o tratamento, sentir-se vulnerável pelo desconhecido foi justamente aonde me conheci mais. Não estou falando de morte necessariamente, mas na incerteza do amanhã.
A quebra da nossa rotina as vezes nos desestabiliza. Coisas simples as vezes fazem nossa rotina ser quebrada. No nosso dia a dia, uma unha encravada pode ser o fim do mundo para quem usa sapatos ou caminha muito. Só que ao mesmo tempo, nos lembra de como é bom ser livre e colocar uma gaze no dedão e ir de chinelo para o trabalho deixando o sapato ou o salto no armário. Mas como será depois dessa quebra da rotina atual? Talvez nos de um choque em relação a como encaramos nosso presente de ficar “presos” ou assustados com o corona. E se tem algo que eu posso afirmar por experiência de vida é que tudo passa.
A fase de rotina antes dessa crise passou, a crise irá passar. E não pense você que tudo será como antes. Estamos aprendendo a valorizar o presente fora da maneira automática da nossa rotina. E aprenderemos muito por estar sem nossos sapatos e saltos passando por esse momento delicado.
Escutei uma menina esses dias dizendo que podemos aprender no amor e na dor. É exatamente o que estamos vivendo nesse período. Um período de grande aprendizado, tanto de dor, quanto de amor. E como adoro frases prontas, talvez a que mais usei nesse ano, “há males na vida que vem para o bem”. E se “a vida nos deu limão, façamos caipirinhas”.
E como “o que não tem remédio, remediado está”, aproveite esse momento, carpe diem. E por pior que seja nosso dia, podemos buscar algo que nos deixe alegre. Algo que faça nosso dia valer, com ou sem quarentena, com ou sem sapatos e saltos.
Porque depois que colocarmos os sapatos e os saltos novamente lembraremos que precisa de muito mais além de uma unha encravada para nos deixar tristes. “Não temos mais o tempo que passou…”
Uau! Fiz uma viagem de 2 dias e meio neste “Diário de Bordo”. Fazia muito tempo que eu não me embriagava em uma leitura. Faz tempo que leio muito, mas esse dois últimos dias foram relatos reais de uma pessoa, no mínimo, iluminada. Que aprendizado! Muitas lições de vida e um carinho enorme criei por vc. Sem dúvida, nada na vida acontece por acaso. E a forma como cheguei no teu blog, foi a mais inusitada pra mim rs. Agradeço por compartilhar suas dificuldades, suas conquistas e mais ainda pelas dicas de superação. Nunca se esqueça que o melhor ainda está por vir!
Abraços!
ahhhh…. obrigado!!!!!! desculpe a demora para responder aqui.