D 1092 “O que se leva da vida é a vida que se leva”
Caros,
As notícias de saúde continuam ótimas. A pele a noite explode umas crises de coceira, mas nada como uma lata de cerveja bem gelada para resolver meu problema. Para você que já está pensando besteira descobri recentemente que placas de gelo estão resolvendo minha coceira. No freezer do Rio tenho duas placas e uma bolsa térmica já prontas para uso. Contudo em arraial (meu salgado lar) não trouxe meu kit esquimó. Mas descobri que tem tinha um latão de cerveja na geladeira e quando a crise veio não hesitei… Deixei rolar a lata nas costas e pronto. Coceira resolvida por mais uma noite. Melhor que tomar aqueles remédios loucos.
Como muitos sabem meu médico me liberou para voltar para o Rio há praticamente dois anos atrás. O acordo era que eu pudesse voltar para começar o mestrado pela marinha. Hoje estou no processo de conclusão do mestrado. Durante todo meu tratamento do câncer, da pele e do meu tempo de curso passei por vários momentos que me abalaram de alguma forma. Algumas radicalmente como a notícia do câncer ou quando minha avó desmaiou na minha frente. Assim de cabeça foram as duas piores que me lembro de ter ficado estático por alguns instantes.
Sempre fui catequizado que homem que é homem não chora. Por conta disso colhi bons e maus frutos. “Não vou dizer que foi ruim, também não foi tão bom assim”. Mas viver tantas situações intensas, decepcionantes ou impactantes me fizeram aprender um pouco sobre minha reação com o acontecimento de certos eventos ao meu redor. Aprendi a bloquear minha dor para evitar sofrimento maior. Como no caso do câncer.
Me enganei durante meses achando que era forte o suficiente para não chorar. Mas só enganava a mim. Pois quando colocava o antebraço no rosto deitado na cama para esconder meu sofrimento só escondia ele de mim. Acho que nunca enganei minha mãe com essa técnica. Mas me enganava e ali naquele momento eu pensei que bastava para ninguém ver alguma lágrima rolar, fosse de dor ou de tristeza.
Fazendo minha autocrítica sei que não adianta prender o choro pois se a tristeza resolve dar um oi e sentar para um café a lágrima vem. Nessa hora toda coca é tanta. Mas aprendi que deixar ela rolar também me fazia bem e que nem sempre o orgulho era a melhor defesa.
Hoje conversando com um amigo de mestrado comentei da segunda recaída. Lembro como se fosse ontem. O médico queria me internar no mesmo dia e pedi mais uma noite apenas na minha cama de SP antes de internar. E nesse dia me permiti chorar. Chorei demais e lacrimejei de forma positiva agora ao lembrar desse dia. Mas quando internei, entrei de cabeça erguida. Curado daquela tristeza que me assolou no dia anterior.
Falei isso tudo pois hoje aconteceu algo comigo, nada da saúde ou coisa para se preocupar. Estou passando por um momento de conquistas desde o transplante com vários tropeços. Por conta disso adquiri uma bagagem de como o Daniel responde a momentos de euforia e momentos de tristeza. Hoje fui aos dois extremos.
Esse momento de final de curso está me enchendo de orgulho por “n” motivos. Podia enumerar cada um deles mas não é o objetivo. Só que uma notícia gerou um conflito entre meu orgulho diante a minha reação com a decepção em momentos da vida.
Ao receber a notícia que me deixou triste. Não posso negar pois como eu disse ando eufórico pelas conquistas foi fácil para quem estava a minha volta notar. Tão fácil quanto distinguir o dia da noite. Precisava apresentar meu trabalho para meu orientador e companheiros acústicos. Só que aquela notícia me desanimou. Conversando com o Bira e o David senti o Daniel orgulhoso, mas não orgulhoso pelas conquistas. Mas aquele Daniel que coloca o braço no rosto para esconder a umidade relativa dos olhos. Percebi que não demoraria muito pra rolar uma delas.
Conversando com eles e logo após percebi pela experiência adquirida que eu era mais que o Daniel dia ou Daniel noite. Meu orgulho era um só. Não posso ter ele como qualidade e defeito. Agradeço pela conversa que me fez pensar. E decidi ali que tinha muito mais motivos para me orgulhar das conquistas do que para esconder uma lágrima de decepção (que fique claro, não chorei e tenho testemunhas).
Minha história de vida começou a ficar extraordinária (palavra em homenagem ao meu orientador) há uns 5 anos atrás. De lá “prak” (licença poética) foi uma vida repleta de sofrimento e é nesse ponto que digo que ganhei bagagem. Sofrimento dos diagnósticos, dos amigos que fiz e se foram no tratamento, pelos “Nãos” recebidos Durante o tratamento, pelas decepções da vida, seja da magnitude que for…
Na conversa com esses dois amigos escutei de um deles: “se concluir um mestrado fosse fácil todos seriam mestres” e me fez lembrar guardo uma frase que há tempos guardo na manga e nunca consegui encaixar nas minhas reflexões mas hoje chegou a vez dela. “tempos de grande sofrimento trazem em si, potencialmente, tempos de grande transformação. Para que a transformação aconteça, porém é preciso irmos fundo a raízes da nossa dor, vivenciando a dor exatamente como ela é, sem culpa e sem auto piedade.
Hoje vivi mais uma dor, fiquei triste por alguns momentos. Mas ao retornar para casa entendi que a dor da decepção daquele momento não deveria me abater ou desanimar diante dos meus objetivos. Essa dor, decepção, frustração, ou como queira chamar ser serviu para ascender uma luz no painel. Pois quando estamos na zona de conforto quem se preocupa com algo? A dor não veio para me deixar triste, mas para enxergar uma possibilidade de crescer. Colocar mais uma dor na bagagem e me orgulhar de levantar da poça de tristeza e fazer a infelicidade sumir sem me preocupar com o outro orgulho do braço cobrindo lágrimas.
Escolhi qual orgulho quero levar comigo daqui para frente. Podia ficar em cima do muro e lamentar pela situação. Não precisei me esconder atrás do braço. Por conta da bagagem aprendi a me sentir em casa quando estou com pessoas queridas. Demorei para aceitar a triste notícia, mas aceitei da melhor forma possível para o momento. Aceitar sempre foi uma palavra chave para me levantar.
Sei que carrego minha cruz das minhas tristezas, decepções, frustrações e afins. Mas só carrego elas pois coloquei a cruz nas costas. Criei a expectativa no tratamento, na previsão de onda, na volta para o Rio, no fim da rejeição, na defesa do mestrado e por aí a fora…
Minha escolha pelo orgulho certo dessa vez não deixou colocar a cruz nas minhas costas. A tristeza ficou por ali.
Fico por aqui no maior post além da leucemia agradecendo aos meus amigos de curso, ao meu orientador, ao coorientador (nunca havia falado de vocês). São pessoas que em pouco tempo participaram da metade do meu reviver. E viver com cada um de vocês me fez adquirir muito mais conhecimento além do que meu futuro título.
Como todos sabem que adoro frases feitas e agora já descobriram que guardo elas na manga, me despeço com mais uma…
“Ao invés de tentar controlar a situação, controle sua reação diante dela. Então a situação mudará.”
¨Pois quando colocava o antebraço no rosto deitado na cama para esconder meu sofrimento só escondia ele de mim. Acho que nunca enganei minha mãe com essa técnica.¨ Nunca mesmo, mas me ensinou a respeitar a sua dor. Te amo muito, não tem que existir tristezas. Tem um Deus que nos ama muito e sempre nos ajudar a atravessar todas as tempestade. Parabéns, você é e sempre será um vencedor