D 1027 “O natal vem vindo, vem vindo o natal”

D 1027 “O natal vem vindo, vem vindo o natal”

18 de dezembro de 2017 2 Por Daniel Campbell

Passando mais uma vez por aqui para dar notícias, talvez a última vez do ano pois esse período é difícil ter tempo para respirar com tantas despedidas, reencontros e amigos ocultos de fim de ano. Consegui emagrecer um pouquinho como meu ortopedista havia pedido para aliviar a carga do fêmur mas o natal vem vindo. A pele que havia piorado há quase um mês atrás já está muito melhor, novamente. Semana passada fui a SP para retirar o cateter e consulta de rotina. Cateter retirado e agora só a cicatriz de recordação. Durante a consulta de rotina o hematologista liberou para tomar uma cervejinha as vezes. Quando dizem que “a ignorância é o melhor remédio” é porque talvez seja verdade. Por conta disso preferi não perguntar o quanto eu poderia beber, brincadeira. O médico continua bem feliz com minha rejeição na pele e diz que esse problema agora é da dermatologista, pois com a rejeição tão a flor da pele é certeza que o câncer não retorna pois ao mesmo tempo que me rejeita também rejeita a reprodução louca do câncer. Estou me adaptando com o remédio que deixa com sono, mas acho que estou me tornando um viciado em café (acho que sempre fui na verdade).

Um dia que estava lá em SP me perguntaram se eu gosto dessa época de natal. Confesso que já fui mais revoltado e achava um saco a propaganda da LEADER na TV, aquele apelo comercial para a data. Esses anos de tratamento amoleceram um pedaço do coração aqui dentro e essa data ganhou algumas posições de preferência no meu calendário. Uma data boa em que tudo é desculpa para reencontrar pessoas queridas que a vida, rotina e outras desculpas acabam nos afastando. Não é uma reclamação, muito menos indireta para ninguém, pois reconheço que sou o mestre em deixar para amanhã esses reencontros.

Esse ano cai de paraquedas no amigo oculto do grupo da faculdade. Sempre olho no grupo do whatsapp e tem 173 mensagens não lidas, abro e desmarco e leio a última mensagem apenas. Só mando mensagem lá quando recebo foto do cara de chapéu com um nariz de elefante na mão pois sei que um amigo e uma amiga de lá adoram ele. Só que dessa vez quando li a última mensagem era sobre o amigo oculto.

Sorteamos virtualmente (que tecnologia fantástica) os nossos amigos ocultos. Que ninguém fique com ciúmes, mas havia um amigo em especial que eu pensei na hora. Se eu tirasse ele faria um discurso bem importante para arrancar lágrimas. Seria o troco por ter me arrancado lágrimas durante o casamento dele.

Foi então que a brincadeira começou e logo por ele. Foram passando as pessoas e descobri que aquela tecnologia fantástica iria acabar com a minha homenagem ao meu querido amigo. Guardei timidamente meu discurso na memória pois percebi que seria o último a entregar o presente. E justo como eu havia pensado, fiquei por último (tecnologia desgraçada).

Para quem não conhece esse meu amigo, somos amigos de faculdade. No início do curso não erámos muito próximos pois ficamos em panelas diferentes. Mas lembro bem como a amizade se fortaleceu. Durante um congresso de biologia celular em búzios, confesso que fui pela farra pois nunca foi a minha área. Ficamos lá em casa, eramos 5. E aquele rapaz sério se revelou um dos mais palhaços colocando uma canga na cabeça e fazendo arte.

Durante o tratamento nos aproximamos mais e hoje em dia posso dizer que somos amigos de sangue. Foi meu fiel doador de plaquetas junto com outro amigo de faculdade e mais alguns amigos e desconhecidos. Precisei de 12 se alternando durante o tratamento. Hoje esse meu amigo de faculdade optou por um novo caminho na vida e em breve será meu médico, se aceitar meu plano de saúde. E atualmente é um dos poucos que sabe absolutamente tudo sobre o meu tratamento.

Cada novidade que ia surgindo, boa ou ruim, eu contava para ele. Algumas a gente ria para não chorar e algumas viraram boas histórias. O interessante de contar os casos que iam ocorrendo na minha saúde é que eu percebia que ele realmente estudava (ou parecia estudar) o meu caso. E por ter esse ponto de vista mais técnico e humanizado pela nossa amizade eu me sentia mais disposto para conversar. Mesmo na tragédia é bom dividir os problemas com alegria para um amigo.

Acredito que ele tenha aprendido um pouco de hematologia comigo, mas acho que ele não faz ideia do quanto já aprendi com ele nesses anos de amizade. Já estou em quase 800 palavras nesse texto. Se fosse para definir ele em apenas um adjetivo seria determinado.

Ainda tenho o defeito de ser um bom procrastinador. Durante a internação as vezes tinha sensação de estar numa prisão. Até brincava que prisão era melhor pois havia banho de sol e visita intima, fora que hoje em dia todo mundo cumpre prisão domiciliar. As vezes olhava pela janela do HSVP e do samaritano e me sentia parado no tempo. Pensando em adiar o viver a vida para depois. E por algumas vezes seu encorajamento me tirou dali através de boas risadas dos meus problemas.

Acredito não ter demorado muito para entender o tratamento não nos limita, mas sim nossos pensamentos. Mudar meus pensamentos que no início eram bem gelados em relação a doença só foi possível através da conversa com muitos de vocês. Aprendi a ser feliz aonde achei que estava preso. Olhar as maritacas do HSVP ou o por do sol da suíte presidencial do samaritano davam cores para a paisagem que antes era preto e branco. E talvez por isso essa data de desculpa para reencontros tenha se tornado tão importante. Pois com ela consigo reencontrar diversos amigos que me tiraram da gaiola imaginaria do tratamento. Será que teremos um “chocolate oculto” na páscoa?

Queria colocar a foto do amigo oculto, mas aparecia nossos mamilos e na foto que coloquei ainda não havia perdido peso.

Mentira, o discurso do amigo oculto seria no improviso mesmo…

A volta do rock é uma homenagem