Amor² D1639

Amor² D1639

23 de agosto de 2019 0 Por Daniel Campbell

Procrastinação, uma palavra que costumo utilizar. Às vezes, me orgulho de ser um procrastinador, mas confesso que tem horas que me envergonho um pouco (só um pouco). Passar por toda a montanha russa de emoções que foi minha vida nos últimos anos me ensinou que nem sempre o Renato tem razão. Nem sempre temos “todo o tempo do mundo”.

Aprendi a refletir durante o meu tratamento sobre a ideia de “se eu morresse amanhã, morreria feliz?” Tenho certeza que a resposta é sim. A vida me ensinou por diversos momentos que eu deveria buscar minha própria felicidade. Sempre fui da frase que “Deus não dá uma cruz maior do que podemos carregar”.

Passar por essa montanha russa de emoções nos deixa preparado para altos e baixos. Parece que sabemos que não existe felicidade eterna. Concluir isso parece triste, mas passamos a entender que também não existe tristeza que nunca acabe. E se falamos que Renato estava errado, talvez Cássia estivesse certa pois o “pra sempre, sempre acaba”.

Aprendi com diversas coisas que passei. Talvez o câncer tenha deixado de me ensinar que as vezes as coisas ruins não acontecem só comigo. Há algum tempo, minha prima me levou para realizar um sonho do meu avô. Não sei se você acredita em sonhos, mas comecei a chamar de metas para a desilusão ser menor. Fizemos um passeio maravilhoso e pude participar desse sonho.

Lembro que logo depois fui no hospital visitar minha avó para contar. Foi até engraçado porque senti que ela ficou com ciúmes porque os netos levaram o vô para passear. Um tempo depois já em casa e com ela deitada na cama ficamos conversando. Senti que ela deixou sair (acredito que intencionalmente) que o sonho dela era ir para o Pão de Açúcar. Ela estava se recuperando de cadeiras ainda. Combinamos que quando ela saísse iriamos.

Hoje minha avó está internada, bem fraquinha. E sabe esses filmes que passam na nossa cabeça? Lembro quando eu devia ter talvez uns 6 anos. Na porta da locadora de VHS (sou velho demais), eu e meu irmão de drama pedindo bolinho com recheio. Histórias das mais variadas e engraçadas.

Durante meu tratamento fui muito mais resistente do que eu imaginaria ser. Hoje sei que está na genética. Minha avó é uma caixinha de surpresas e mais forte que um leão. Quando éramos jovens crianças, íamos todos os netos para a casa de praia ficar com nossos avós. Como cada momento que vivenciamos é único, lá não poderia ser diferente.

Se hoje sou quem sou devo muito aos meus avós e as férias de verão com eles. Sou professor hoje em dia e sei que não é fácil cuidar de molecada, quanta energia. E quando éramos crianças parecia que energia não faltava para os meus avós. Se hoje sei que o bolinho recheado é mil vezes mais saboroso quando comprado por avós é graças a eles.

Se surfo, quem me deu meu primeiro empurrão foram eles. A camisa amarela de goleiro quando eu tinha 7, para eu ser um astro do futebol foram eles. Voltar de madrugada na adolescência? Óbvio que eram eles, só tinha que trazer o pão. Acredito que de todas as voltas de madrugada eu nunca tenha comprado pão. Diversas das minhas aventuras tiveram um grande empurrão deles.

E depois de visitar ela, fiquei me perguntando… “por que eu não levei ela mesmo na cadeira de rodas?”, “o câncer me ensinou tanto que não posso deixar para amanhã”. Acho que é da natureza humana nos acomodarmos e voltar a achar que o “pra sempre” é de verdade.

Dos meus sonhos não me importo, mas não realizei o dela por causa de uma cadeira de rodas? As vezes tenho a impressão que é menos doloroso quando é com a gente do que quando é com alguém que amamos.

E então pensei, nunca disse um “te amo” para minha avó. E só pude dizer quando ela estava inconsciente. Levei uma porrada da vida para aprender que não existe amanhã. Errar é humano, mas permanecer no erro é burrice. Esses dias li que cada um de nós tem sua própria batalha a encarar. E que só cada um de nós pode viver essa batalha. Minha avó tem mais batalhas que as duas grandes guerras mundiais.

Nunca sabemos do amanhã e se for de família tenho certeza que em breve ela estará de alta. E quando ela sair do hospital, não vai ter quem me segure. Será um sequestro caso não permitam e já está avisado. Pedi primeiro! Benefício de neto mais velho!

Caso você encontre com sua avó nesse abrace bem apertado! Se ela estranhar diga que foi um pedido meu…