D1925 Dependência
Já dependeu de alguém para realizar um sonho? Desde pequenos escutamos a palavra dependência. Acho que nosso primeiro contato é de alguém perguntando aos nossos pais quantos dependentes eles têm, principalmente na hora do imposto de renda.
No post passado falei sobre minha primeira recaída (2ª leucemia). Era abril de 2014. Estava uns dias antes de descobrir a recaída planejando uma viagem para um curso de baleias que iríamos fazer na Escócia. Eu, Lu e Leo (amigos, sócios, escudeiros, irmãos que ganhei durante meus embarques).
Mas veio a notícia da recaída. No primeiro tratamento costumava dar notícias sobre meu quadro clínico, mas não colocava meus pensamentos assim como hoje em dia. Naquele dia da notícia foi a primeira vez que escrevi sobre o que realmente se passava na minha cabeça. Sonhos, planos e esperança por água abaixo. Adeus Escócia e embarques (de novo).
Na época, a médica nos disse que dependíamos de um doador compatível para realizar o Transplante de medula óssea (TMO). Durante a 1ª leucemia recebi bastante sangue, mas até então nunca tinha entendido que minha vida dependia de alguém para seguir. E naquele momento passei a entender como minha vida dependia dos outros.
De lá para cá muita coisa aconteceu e o sonho da Europa continuava. Minha mãe sempre dizia que quando tudo passasse eu faria uma grande viagem. Após a 3ª leucemia e 2º TMO veio meu mestrado (AH, sou biólogo) aos trancos e barrancos… E mais uma vez vi como eu era dependente dos outros mesmo aos 32 anos.
Para quem acompanhou de perto ou de longe o início do pós-transplante tem um pouco de ideia do que falo sobre a minha dependência. Meu curso era em Arraial do Cabo (2hrs do Rio) e durante o curso precisava tomar o vidaza em SP durante 5 dias do mês. Ainda era uma fase sensível do tratamento, para assegurar que a leucemia não voltasse.
Foi a época da rejeição de pele pela medula do doador (GVHD). A época em que a osteonecrose agravou por conta de corticoides. Precisei operar os fêmures que me deram 2 meses na cadeira de rodas sem poder colocar o pé no chão e 2 anos de muletas. Se antes me achava dependente, ali tive a certeza da dependência.
Durante meu mestrado precisei que meus pais morassem comigo por conta dessas complicações todas. Na fase da cadeira de rodas, a sensação era igual a de uma criança de 5 anos de idade indo para a creche levando a minha merendeira com uma “ana maria”. Meu pai me levava na cadeira até a sala do meu orientador. Lá eu passava o dia estudando sem beber água para não ter vontade de fazer xixi, até a hora do meu pai me buscar novamente.
Então a gente entende cada frase popular que existe e quase todas se encaixam na vida de pacientes. “Não há bem que sempre dure, ou mal que nunca acabe”, mas como sou adepto aos ditados populares… ainda prefiro “na vida tudo é passageiro, menos o motorista”. Dá uma leveza e uma graça idiota para ajudar a superar esses momentos.
Depois de abandonar os sonhos e trocar por metas (acho a palavra mais concreta), veio a conclusão do mestrado. Passei a morar sozinho e tudo aquilo passou. Poucos meses depois surgiu a chance de ir para a Europa de novo por conta da biologia para apresentar minha pesquisa de mestrado.
Antes da viagem uma anemia forte me pegou, precisei ir para SP às pressas fazer exame. Não conseguia acreditar que a maldição da Europa me assombrava novamente. A anemia estava tão forte que precisei de uma bolsa de sangue antes da viagem. Após a transfusão fui liberado para viajar.
A sensação de independência é maravilhosa. Iríamos apresentar nossos trabalhos na Holanda. E aquilo tudo só dependeu da minha dedicação e estudo durante o mestrado. Por mais que eu tenha recebido uma ajudinha financeira, ir até lá sozinho e apresentar nossas pesquisas não foi uma meta conquistada e sim um sonho realizado de forma independente. “Podem tirar tudo de nós, menos nosso conhecimento”.
Até o momento de agora, realmente pensava que tinha conseguido isso tudo de forma independente. Só que parar para escrever essa meta conquistada e sonho realizado me fez ver como dependi de tantos (realmente foram muitos) para chegar lá, por mais que tenha viajado sozinho.
Quando levamos a vida no automático e não paramos, por conta própria ou obrigados (no caso da doença), ela parece ser tão estável, tão independente. Só que quando paramos encontramos a verdade que muitos de nós esquecemos, justamente por estar no automático. E a verdade é que ela tem um fim. Passamos a entender que “Não é só no fim da vida de alguém que necessariamente aprendemos que a vida é curta e só temos uma”.
As vezes confundimos o conceito do termo depender. Talvez você pense que você é dependente do seu trabalho. Só que se você perder seu trabalho não morre, nem fica inválido. Não somos dependentes de dinheiro, ele é apenas um facilitador. Em último caso (não menosprezando) você tem saúde para ir em um sinal vender bala, ou vender seu artesanato na praia.
Ou talvez você pense que é dependente emocionalmente de alguém por conta de um relacionamento amoroso e apaixonado entre casais. Aquele amor idealizado que você não consegue ficar sem. Pode ser dolorido? Com certeza, mas passa quando deixamos de pensar na metade da laranja e viramos uma laranja inteira e entendemos que isso não é uma dependência real. Sempre brinquei que não morri de câncer, não é um coração partido que irá me matar…
Voltando para a história…
Quando retornei da viagem, a anemia persistiu. Meu médico me obrigou a internar para entender o que estava acontecendo. Ainda tenho minhas suspeitas que ele me deixou viajar pois sabia da importância emocional que eu tinha em relação a essa viagem. E após os exames descobrimos a mielodisplasia.
Transfusões atrás de transfusões, foi meu primeiro conflito mental. Como posso viver sendo dependente de tantas transfusões? Sendo tão dependente dos outros a ponto de pedir doações o tempo todo? Vou ter que transfundir por quanto tempo, por quantos anos? Era tudo desconhecido e a insegurança vem igual a andar no escuro.
Hoje, olhando para trás vi que fui dependente demais de tantos e consegui levar uma vida absurdamente boa mesmo com tantos problemas. O conflito mental passou, ser dependente não é ruim. Ser dependente me faz entender todo dia quanto de amor diário recebo. Seja com o suco verde com alguma coisa muito ruim que minha mãe faz toda manhã para mim, seja com amigos insistindo para me doar sangue, seja por um desconhecido querendo se doar mesmo sem me conhecer.
E essa frase pronta começa a fazer sentido, “amar o próximo como a si mesmo”. A compaixão e a empatia estão diretamente ligadas com meus 1925 dias sem câncer. Sem essa empatia toda com certeza eu não estaria aqui.
Alguns falam que eu sou forte, guerreiro e afins… Só que em todas as vezes que caí sempre contei com a ajuda de muitos para me reerguer…
Dani! Lindo texto!!! Adoro seus textos e a espontaneidade q eles apresentam, fora o auto conhecimento e aprendizado q essa trajetória te trouxe. Força, fé e coragem não faltam nesta trajetória é assim permanecerá. Bjs
Dani, vc foi um presente que recebi há poucos dias. Não te conheço pessoalmente mas falar com vc renova minhas esperanças de um mundo melhor !! Vc é forte e merece tudo de melhor que a vida ainda vai te oferecer.
Obrigado Dani, por você ser essa inspiração pra todos nós. Saiba que sempre será meu motivo de orgulho, minha inspiração para tudo nessa vida.
Hoje é um dia triste aqui na terra porque nos despedimos de vc @daniel_campbell, mas o céu está em festa, eu tenho certeza disso. Deus levou mais um de seus guerreiros para descansar.Me desculpa se no primeiro momento eu não quis aceitar sua partida,que meu egoísmo falou mais alto e depois de refletir muito eu percebi que esse era o melhor pra vc, que sua missão aqui já tinha se cumprido. E com a dor da saudade eu lhe digo até breve irmão e obrigado por ter feito parte da minha história aqui nesse plano e nos encontramos outra vez num plano bem melhor.
Despedida
O que posso falar para o meu guerreiro favorito? Dormi e acordei chorando de saudades e de tristeza.
Sei que vc está nos braços de Deus nesse momento.Inacreditável que vc tenha partido, essa foi a escolha do Pai Eterno. Vc sempre foi especial, calmo, tranquilo, sensato … era a paz personificada.
Lutou até o final e deixou escrito todo seus sentimentos e esperanças nas
mídias sociais como no seu blog alemdaleucemia.
Saiba que te amamos muito, tenho certeza que daqui a pouco estaremos juntos novamente.
Vc foi um exemplo pra todos nós.
Exemplo de fé, confiança e perseverança.
Obrigado por vc fazer parte da nossa família, Daniel, meu sobrinho querido e
muito amado, vá em paz.
Te amamos muito.
Jamais te esqueceremos.
Até daqui a pouco.