D1735 Quem tem medo do escuro?

D1735 Quem tem medo do escuro?

27 de novembro de 2019 6 Por Daniel Campbell

O que te assustava quando criança? Quando criança, todos tínhamos algo que nos assustava. Para minhas primas tenho certeza que era a múmia que meu pai imitava, mas pode ser a bruxa do 71 para o Chaves e sua turma ou as mil lendas que existem por aí. Um segredo que só os mais íntimos sabem e hoje vai deixar de ser segredo é que aos 34 anos ainda assisto vários desenhos. Quando digo vários é porque realmente são vários.

Se você tem filhos ou faz parte comigo da síndrome de Peter Pan talvez você já tenha visto “Monstros s.a”. E nele retrata bem o medo das crianças de abrir ou olhar embaixo da cama e ter algo desconhecido lá. A imaginação tem asas nessas horas.

Há praticamente 3 meses atrás recebi a notícia da mielodisplasia e o ar faltou. Aquele filme passando na cabeça novamente. Exatamente a mesma sensação do diagnóstico da primeira leucemia. Com o passar do tempo minha mochila vai enchendo de histórias e talvez isso que chamem de maturidade. Passamos a entender que não é da mielodisplasia ou da leucemia que temos medo, mas assim como as crianças ainda tememos o desconhecido.

Quando recebi a notícia da primeira leucemia, o choque foi bem avassalador mentalmente falando. Foram 2 dias praticamente isolado na UTI com milhões de coisas passando na cabeça, mas um pouco de paz veio quando minha médica disse que de leucemia eu não morreria e me explicou como seria.

Então tive a primeira recaída, 2ª leucemia, como uma bomba. Estava voltando a rotina de vida “normal”, só que dessa vez já estava mais preparado. Talvez por já estar esperando por ela. Sabia que a chance de uma recaída era muito grande. Não estou dizendo que foi fácil receber a notícia, mas foi bem menos impactante que na primeira vez. Já sabia até que se ela voltasse seria necessário o transplante de medula (TMO).

Daí a gente pensa: “é, acabou!”. E realmente para praticamente todo mundo com leucemia o TMO é a cura. E sem explicações a leucemia veio dar o ar da graça pela terceira vez. Estava morando em SP já com as malas prontas para passar o Natal no Rio em família. Só que ao invés de viajarmos para a casa, atravessamos a rua e levamos a mala para o hospital e internamos novamente.

Tentar entender o porque estava acontecendo novamente pós TMO, ver os planos e sonhos escapando novamente por entre os dedos e a dúvida do que seria feito assustaram. As vezes nos sentimos até cobaias nesses casos mais complicados. Foi então que após uma quimio, Dr Ricardo bateu o martelo e disse que iríamos para um 2º TMO. E sabíamos bem o que viria pela frente…

Quase 1600 dias após o TMO, confesso que já estava pensando na comemoração dos 5 anos em remissão, veio a mielodisplasia (que não é câncer). Não deu tempo nem de procurar no Google o que era e já estava internado novamente.

A dúvida sobre qual tratamento seguir devido a todo esse histórico aí voltou. E com essa mochila cheio de raridades até entendo o motivo da dúvida. Aquela sensação de ser cobaia voltou. E junto a ela as incertezas se existia algum bicho papão no armário ou embaixo da cama para acabar com meus planos.

Logo agora que a vida me trazia tantas coisas boas. Consegui ir para a Europa apresentar minha pesquisa. Virei padrinho da filha do meu melhor amigo. Meu irmão e esposa engravidaram. Estava na crista da onda da felicidade e a incerteza do que estava acontecendo me derrubou lá de cima.

E essa incerteza começou a dar asas para a imaginação do que estaria dentro do meu armário. Quanto tempo eu aguentaria sem minha medula produzindo sangue? Será que conseguiria ver minhas meninas crescerem? Terminar meu doutorado? E dei asas a imaginação do desconhecido novamente.

O primeiro e segundo ciclo de vidaza foram bem complicados devido a possíveis efeitos do medicamento. O 3º que terminou domingo agora sem internação me deu um pouco de esperança para voltar para a casa. Passar pela consulta com o Dr Ricardo e ver ele otimista e com resultados de exames bons afastou um pouco dessa insegurança toda. Sempre fui bastante realista. E ser realista com exames bons conseguimos até ser otimistas. Marina e Victoria que me aguardem…

É bem difícil receber o desconhecido de peito aberto, ainda não sou tão evoluído assim. Mudar radicalmente a vida requer muita coragem. Só que não ter como controlar essa mudança requer paciência demais para esperar alguém acender a luz para termos certeza de que não existe nada dentro do armário ou embaixo da cama.

A incerteza as vezes nos coloca uma venda de que a vida é exatamente assim, feita de mudanças que fogem do nosso controle. Cair da crista da onda faz parte, até porque nenhuma onda dura para sempre. O importante é levantar depois disso tudo. Saber que a vida é um dia após o outro, um ciclo de vidaza após o outro. Se algo aprendemos com toda essa bagagem é mudar e recomeçar. “Não haveriam borboletas se lagartas tivessem medo de mudanças”. Esses últimos exames e a confiança de todos acenderam não só uma luz no fim do túnel, o receio e a dúvida do desconhecido passaram. O último a sair do túnel apague a luz … “I will survive!”

Texto sem revisão rs, a foto é um slide da apresentação do meu caso pelo meu médico para outros médicos!

Queria a versão do cake, mas não tinha legenda em português… então segue a original…

Segue a que eu queria para quem não precisar da legenda…