D231

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15 de outubro de 2015 1 Por Daniel Campbell

D231 “já é bastante difícil carregar apenas uma vida”

Sei que estou ausente, viagem ao Rio de 5 dias… Chegando de volta em SP, dia corrido de preguiça. Acordar às 5 da manhã e voar para fazer exame logo cedo é um saco, mas ver o Sol subindo por trás da Baía de Guanabara ainda compensa o horário. Inscrições abertas para subir a pedra da Gávea de madrugada quando o Dr. Ricardo e minha mãe liberarem. Os exames estão bons, plaqueta da última semana antes da viagem estava em 20.000 e recebi uma bolsa. Hoje, quase uma semana depois, está em 29.000, então a medula está segurando. Leucócitos bons também em 3.000 e pouco. Pesando 2 kilos extras (78,5) de tanto churrasco. Quanto ao fígado, bom… Se até agora minha mãe que viu o exame e o médico ainda não falaram nada é porque deve ter melhorado, afinal notícia ruim chega rápido.

2015-10-14 06.01.06

Sei que posso estar “chovendo no molhado”, mas muitos dizem que ando meio calado. Além do comum. As conversas não são mais intensas como antes, ou que não respondo no whatsapp, ou até mesmo que conversar comigo é monólogo ou que sou monossilábico. Escutei até que iriam me indicar terapeuta (nada contra terapia). Não estou fugindo das coisas nem da vida. Só passei a me tornar o centro da minha. É difícil explicar para quem assiste de fora e nunca fui muito bom falando. Talvez por aqui às vezes eu consiga ser um pouco mais claro. Tinha uma vida abençoada, literalmente. Sempre fui rodeado de amigos, família e coisas boas. Nunca me ensinaram a me contentar apenas, sempre fui rico das coisas importantes (talvez não percebesse). Mas durante o tratamento todo, lá do início em 2013, vim deixando esse silêncio tomar conta. Sei que pensamentos criam nuvens às vezes indesejadas. Mas ficar tanto tempo em “silêncio” faz com que esses pensamentos se cansem. E com isso, talvez essa nova vida vá levando um rumo um pouco diferente. Querer saber do resultado do exame antes era algo que me preocupava tanto. Ficava ansioso procurando número de blastos para saber se ainda estava em remissão. Só que agora não procuro mais, não por ser desleixado, mas por escolher não ficar sofrendo por antecipação. Continuo comendo chocolates, mas não por ansiedade (fica a dica para as visitas). Era desesperado pelo dia da volta, óbvio que quero voltar para o Rio, pois, para mim, voltar significa muito mais do que apenas voltar para a casa, significa a aproximação do fim do tratamento, só que de ansiedade não sofro mais. Pode ser janeiro, fevereiro, espero só que antes do carnaval…

Nessa minha primeira etapa do tratamento, lá bem no início (quem sabe um pouco hoje em dia também), sempre fui muito fechado em relação a tudo que sentia. Tanto mentalmente quanto fisicamente. Lembro que minha mãe percebia que eu estava com dores quando colocava a mão na cabeça, meio que tampando os olhos, mas eu sempre falava que estava só incomodando. Não queria me aproximar de ninguém, pois tinha medo de machucar os outros. Então ao “espantar” as pessoas de perto acreditava estar evitando machuca-las e me machucar. Uma vez recebi uma amiga, muito amiga, que estava nítido a tristeza no olhar dela e que aquilo tudo era por minha causa. Pensamento de viajante de primeira viagem que eu tinha, pois afastando os outros deixava de receber o carinho deles que era tão importante. Com o tempo e com tanta gente conversando comigo, passei a perceber o quanto tinha de carinho à disposição, que apenas deixei entrar. Cada bolsa de sangue doada para mim, cada palavra de incentivo, cada oração, cada gesto de carinho contou muito. Foi um pensamento inocente achar que me afastando e escondendo o que acontecia, as pessoas iriam se preocupar ou sofrer menos.

Às vezes somos cabeça-dura, talvez eu principalmente, por brincarem sempre comigo dizendo que sou o “dono da razão”. Sou de touro e realmente quase sempre estou certo, mas enfim… Precisei de 3 leucemias para conseguir enxergar algumas coisas. E outras já estão ficando para trás. “Quantas chances desperdicei /Quando o que eu mais queria/Era provar pra todo o mundo/Que eu não precisava/Provar nada pra ninguém”.

Doe medula! doe sangue! Continuo pedindo sangue para amigos e as vezes ainda preciso! Faça o bem sem olhar a quem 🙂

www.ameo.org.br